Naomi Wolf em manifesto à arte do orgasmo feminino

Escritora norte-americana abriu o Festival Literário da Madeira esta quarta-feira. Falou do seu mais recente livro Vagina e de política.

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Mike Segar/Reuters

Chegou ao palco e disse que não estava habituada a falar de temas tão pessoais em público, mas que as 150 pessoas que ali estavam se iriam tornar em breve os “seus novos melhores amigos”.

É, porém, difícil acreditar que a americana Naomi Wolf não esteja já treinada a dizer em público, e perante uma plateia com pessoas de várias idades, as palavras vagina, orgasmo, prazer sexual, vulva, pénis – repetiu-as com o à-vontade de quem já o fez algumas vezes. A plateia do Teatro Municipal Baltazar Dias, na Madeira, riu-se das suas piadas e fez perguntas no fim sem pudor. 

Naomi Wolf, que defende o “empoderamento das mulheres”, escritora associada à chamada terceira vaga feminista, ou Naomi Wolf, a crítica política – depende dos temas que está a abordar – foi abrir o Festival Literário da Madeira, nesta quarta-feira. O festival tem como mote Manifesto à Arte

Esteve no palco nos dois papéis: como feminista primeiro, quando passou em revista as ideias principais do seu último livro, ainda não traduzido, Vagina – A Cultural History, que tem ideias, segundo Wolf, revolucionárias sobre a sexualidade feminina; como comentadora política depois, em conversa com o eurodeputado e historiador Rui Tavares a propósito de O Fim da América – Carta de Aviso a um Jovem Patriota, livro de 2007 mas só agora traduzido para português pela Nova Delphi, que organiza o festival. 

A vagina, defende, é o último tabu sobre as mulheres e aquilo que ela percebeu durante a sua investigação é que tem uma ligação directa com o cérebro – e essa ligação é única. Como é que ela torna a vagina num tema feminista? De forma simplificada, o argumento dela é assim: durante o orgasmo, as mulheres têm um descarregamento de dopamina, que provoca determinados estados de espírito, como poder e assertividade, qualidades associadas ao feminismo – e por ser tão poderosa, esta tem sido uma “história” calada.

"Devia ser capa de todos os jornais"
Depois de discorrer sobre as especificidades da vagina e do orgasmo feminino, sublinhando que o que tem de singular é que cada mulher é única, Naomi Wolf defendeu que “como feminista, isto devia ser a capa de todos os jornais”: “Se quer que uma mulher faça amor consigo entusiasticamente para o resto da vida tem que ser bom/boa para ela o resto da vida.” 

Após o “one woman show” de Naomi Wolf sobre a “complexidade” e a “beleza” da sexualidade feminina, como ela diz, Rui Tavares juntou-se e disse para a plateia: “Vamos fazer uma transição horrível de tema, do prazer para a repressão”.

De facto, a superentusiasta Naomi Wolf a falar de pé sentou-se à mesa com ele e a energia e o tom de voz abrandaram. As técnicas de repressão que Wolf acusa o Governo norte-americano de George W. Bush de ter usado, a sua visita a Guantánamo, a vigilância da sociedade que viola direitos, temas que denuncia no livro publicado em português, não provocam a mesma adrenalina, nem acendem o cérebro da mesma maneira que o sexo.

Ela, afinal, tinha agarrado no microfone, descido para se aproximar da plateia, para pôr todos a rir, tendo recorrido aos gestos para descrever a anatomia da vagina e do pénis. Ao lado de Rui Tavares, que recentemente publicou A ironia do projecto europeu (Tinta da China), Wolf voltou, assim, ao papel de comentadora política. Respondeu a perguntas do historiador, mas o que quis mesmo foi saber coisas sobre o sistema político português, o envolvimento dos cidadãos, as relações dos portugueses com a Europa.

O festival continua até dia 7, com as Conversas Cruzadas, debates que têm como base títulos de livros: A Arte de Morrer Longe (Mário de Carvalho), moderada por Cláudia Rodrigues, com João Tordo, Raquel Ochoa, Tiago Patrício e Tiago Salazar; A Arte de Lidar Com as Mulheres (Schopenhauer), moderada por Paula Moura Pinheiro, com Ana Luísa Amaral, Filipa Leal, Inês Fonseca Santos, João Paulo Cotrim e Waldir Araújo; A Arte da Guerra (Sun Tzu), moderada por Ricardo Miguel Oliveira, com Antonio Scurati, Carlos Vaz Marques, João Luís Barreto Guimarães e Pedro Mexia; A Arte da Libertação (Krishnamurti), moderada por Sílvio Fernandes, com Anselmo Borges, Gina Picart, Lídio Araújo e Tabish Kahir; e A Arte de Pagar as Suas Dívidas (Balzac), moderada por Carlos Vaz Marques, com Carlos Quiroga, Maria do Rosário Pedreira, Raquel Varela e Rui Zink.

O programa completo pode ser consultado aqui.
 

O PÚBLICO viajou a convite do Festival Literário da Madeira

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