As marmitas, a Rainha de Inglaterra e os quatro mil milhões

É incomparavelmente maior o desperdício associado à restauração que o que existe associado à cozinha feita em casa.

Eu, marmiteiro desde sempre me confesso. Não entendo o tom negativo com que se escreve sobre o saudável hábito de levar para o trabalho o que se decidiu comer.

Eu sei que os tempos vão maus para quem, como eu, defende a frugalidade como condição de sustentabilidade: é meio caminho andado para ser acusado de lacaio do governo, da troika e do grande capital, que mexe os cordelinhos de tudo isto.

A verdade é que é incomparavelmente maior o desperdício associado à restauração que o que existe associado à cozinha feita em casa, por medida e aproveitando restos, sem as restrições da legislação paranóica que regulamenta o uso de alimentos. E ainda com um uso menor de equipamentos de elevado consumo energético.

Para além da sustentabilidade e economia, há outra tendência que aconselha esta prática: saber exactamente o que se come, um luxo hoje acessível a pouca gente nas cidades.

Quando nos séculos XVIII e XIX, no coração da revolução industrial inglesa, se começou a desenvolver o conceito de horta urbana, a ideia era eminentemente social, pretendia-se melhorar a alimentação dos operários, a baixo custo, abrindo-lhes a possibilidade de usarem uma horta.

Nos anos 40 do século XX, quando Caldeira Cabral escreveu os primeiros textos portugueses a defender a mesma ideia, era ainda a preocupação social, associada à da gestão do território, que dominava. E essa visão das hortas urbanas como um apoio social manteve-se durante os muitos anos que Ribeiro Telles leva a defendê-las.

Mas olhando para a campanha Eat the View, a que aderiram, por exemplo, Michele Obama e a Rainha de Inglaterra, percebemos que não é por falta de recursos que as duas têm hortas, respectivamente na Casa Branca e no Palácio de Buckingham.

O verdadeiro luxo não é almoçar um carré de borrego vindo da Nova Zelândia, o verdadeiro luxo é comer uns grelos colhidos nessa manhã e que se sabe exactamente como foram produzidos. É por isso que me entristece que não haja uma horta no Palácio de Belém e outra em S. Bento.

As hortas não têm de ser as traseiras do espaço urbano, como não o eram nas quintas de recreio, com os caminhos, os sistemas de rega e elementos chave, como os alegretes (o nome diz tudo), a criarem um ambiente de grande qualidade estética, sem que o espaço perdesse a sua função produtiva.

Ainda não desesperei de ver o tabuleiro central do Parque Eduardo VII cheio de hortas, num espaço bem desenhado para acolher as funções urbanas de uma das zonas mais nobres de Lisboa.

As vantagens seriam muitas, desde a liberdade de escolher o que se come, na época certa, no momento certo de maturação, até ao contributo para o corte dos 4000 milhões de despesa do Estado, através da redução na factura da manutenção do jardim.

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