José Manuel Constantino: "Os decisores têm de olhar para o desporto de uma forma diferente"

O antigo presidente do IDP avança para o COP com o objectivo de desburocratizar a relação entre o Estado e as federações e alargar as formas de financiamento do organismo.

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José Manuel Constantino lidera a Lista B na corrida à liderança do COP Enric Vives-Rubio

José Manuel Constantino, de 62 anos, lidera a Lista B para as eleições do Comité Olímpico de Portugal (COP) que se realizam terça-feira. Licenciado em Educação Física, o antigo presidente da Confederação do Desporto e do Instituto do Desporto de Portugal quer que o olimpismo português tenha mais formas de financiamento para sobreviver sem sobressaltos em tempos de crise.

Por que é que resolveu avançar para a presidência do COP?

Porque houve uma série de federações desportivas e outras personalidades ligadas ao universo desportivo que me convenceram de que a minha presença no COP poderia ser útil.

Há alguma leitura que se possa fazer com o facto de ter o apoio declarado de mais federações olímpicas que Marques da Silva?

É evidente que tem uma leitura, não é um número neutro, tem um valor. Mas não me cabe a mim fazer esse tipo de apreciações.

Quais são as suas principais propostas? O que quer mudar?

Em termos gerais, valorizar socialmente o desporto e ajudar à elevação do nível desportivo do país. As minhas medidas para o COP têm a ver com mudanças de organização do próprio comité. Entendo que o COP não pode ser uma estrutura com mais generais que soldados. É preciso separar a área da administração da área da gestão. Como qualquer organização desportiva, o COP precisa de ter uma estrutura técnica profissional em regime de dedicação exclusiva que assegure as orientações definidas pela administração. Do ponto de vista da agenda política, temos um posicionamento que defende um relacionamento com o estado que seja estimulante, motivante e descomplicado relativamente às federações, que devem incidir o seu foco no que é a organização e o desenvolvimento do desporto. Quero que o COP se constitua como a casa de todas as federações, todos se sintam filhos do mesmo pai, que seja uma casa onde todos são bem recebidos e que procura no seu relacionamento externo protagonizar as preocupações de todas as federações e não apenas as que fazem parte do programa olímpico.

Se for eleito, vai continuar a exercer as suas funções profissionais ou vai dedicar-se em exclusivo ao COP?

Vou continuar a desempenhar as minhas funções profissionais, como acontece na maior parte dos comités nacionais. Seria irresponsável estar a candidatar-me para o exercício de uma função para a qual não teria tempo. Mas entendo que ser presidente do COP não será uma devoção monástica.

Como foi a gestão de Vicente Moura?

Entrega o COP em melhores condições do que quando entrou. Quando isto acontece, merece uma palavra de reconhecimento. O seu trabalho teve aspectos menos positivos em alguns momentos, mas, globalmente, valorizou o trabalho do comité, aumentou o seu património e, sobretudo, colocou o COP num patamar institucional superior ao que tinha.

Mas a sua candidatura posiciona-se contra uma outra candidatura que surgiu de dentro da actual estrutura do COP...

A minha candidatura tem mais elementos da actual direcção que a candidatura de Marques da Silva. É obvio que tenho uma leitura diferente do papel do comité, da organização do comité, as minhas propostas são distintas das de Marques da Silva e, aí sim, de resto assumida pelo próprio, há uma linha de continuidade, enquanto a minha é uma proposta de mudança.

O sistema desportivo português está obsoleto, como diz Vicente Moura?

Carece de ser reformulado, à luz das dinâmicas sociais actuais e à luz daquilo que é a realidade do país que está com parte da sua soberania hipotecada. Não utilizaria a expressão obsoleto, embora a compreenda, mas reconheço que há alterações que são indispensáveis se se pretende que a competitividade do desporto nacional seja superior à que é actualmente.

Que mudanças?

A sustentabilidade do tecido associativo, que está a sofrer muito com a crise, é indispensável. Nas federações, é indispensável reduzir a carga administrativa e burocrática que a administração pública tem aplicado, obrigando as federações, em especial as que têm menos recursos, a darem atenção a matérias laterais. Em cerca de 100 euros que se transferem para as organizações desportivas, 60 são para suportar o trabalho administrativo.

Como é que o COP pode contribuir para esta desburocratização?

Exercendo uma função crítica junto dos decisores políticos. E mudando a natureza da decisão política. Descomplicar é, muitas vezes, mais importante do que o financiamento público.

O relatório da Price Waterhouse Coopers sugere que tem de se concentrar meios nas modalidades com mais hipóteses de sucesso...

O estudo centra-se exclusivamente nas competições olímpicas e peca por defeito porque a avaliação do grau de competitividade externo do desporto nacional tem de ser visto num cenário com outras dimensões competitivas. O grau de competitividade do desporto nacional requer uma maior concentração de meios nos nichos de competitividade que nós temos face aos concorrentes. Nesse sentido, devemos concentrar apoios nesses nichos.

O sucesso do desporto português é episódico e não estrutural. É também esta a sua visão?

Os êxitos do desporto nacional têm uma dimensão episódica e não são sustentados por uma dinâmica organizativa e um modelo sustentado. Há uma questão essencial, a capacidade que tivermos de colocar o desporto a ter um papel diferente na nossa comunidade. Se o desporto tem uma importância educativa e formativa, se o desporto é um elemento que ajuda à inclusão social, se ajuda e reforça a qualidade de vida das pessoas, se é um contribuinte líquido para a economia do país, tem de ter um outro papel na vida da nossa comunidade. Os decisores têm de olhar para o desporto de uma forma diferente. Este é um trabalho que o COP não pode deixar de fazer.

Este ciclo vai ser um ciclo mais difícil que os outros?

O país esta mais difícil. Seria estranho que a nossa preparação não sofresse consequências.

Que outras formas de financiamento podem existir?

O financiamento do COP vai buscar 80% ao Estado, sete a oito por cento ao movimento olímpico internacional. A percentagem do patrocínio comercial não chega aos oito por cento. Creio que há aqui uma margem de progressão significativa que tem de ser aproveitada. Entendo também que temos de colocar na agenda política a revisão da lei do mecenato, e que o COP seja receptor de receitas de exploração das apostas online.
 
 
 

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