Contos assim-assim: O gato

Uma directora confiante. Uma apresentação de um produto verdadeiramente inovador. Onde está o gato?

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Joana Maltez

A lição estava bem estudada. Naquela sala vazia, a directora sentia vontade de falar para as cadeiras. Cadeiras que estariam bem atentas, caso ela começasse a falar.

Ali, não decorriam reuniões importantes, havia semanas. A última fora realizada com o intuito de decidir qual o carro que seria comprado para a direcção. Como não houve consenso, houve uma medida de desempate: a directora escolheu. O carro era azul, o que provocou sensações distintas e duas piadas escritas numa porta da casa-de-banho. Facto é que a directora não falou, antes de a reunião começar.

Naquele espaço, seria apresentado um sistema totalmente inovador de produzir determinados produtos, omitidos desta breve descrição para que a mesma não se torne demasiado técnica. Mas eram produtos. E isso basta.

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João Nogueira Dias não escreve contos, escreve hipóteses. Curtas, por respeito aos leitores

A directora começou a apresentação com bastante confiança. Sabia que o projecto que apresentava era ganhador, estava preparada e sabia que o conselho de administração iria gostar da ideia. Não havia como não gostar: tinha a noção de que se a mostrasse à sua vizinha do 5.º esquerdo, ela iria adorar. Era uma pena que não tivesse uma vizinha do 5.º esquerdo.

A apresentação foi em crescendo, como uma espécie de ópera, com um clímax final. Foi uma apresentação tão boa que deixou de o ser, para passar a ser, como agora se diz, um “pitch”. A directora falava, confiante, sorrindo, aqui, ali, acolá e onde mais fosse possível. Parecia ter o rei na barriga, depois de o ter dilacerado e engolido. Estava perto dos três metros de altura, no final da apresentação. Tanto que, a dada altura, pareceu sentir o seu braço a chegar ao fundo da sala. Se assim fosse, poderia dar um estalo a um dos administradores. Mais precisamente, àquele de quem menos gostava.

Quando se preparava para dar a estocada final na sua audiência, teve uma surpresa desagradável. A última imagem da apresentação não era aquela que tinha planeado: no dia anterior, o seu filho estivera a brincar com o computador e achou que seria pertinente colocar uma fotografia de um gatinho no lugar das conclusões.

A directora ficou sem palavras e sentou-se, desamparada. Um dos administradores resolveu intervir, para tentar salvar a situação. Propôs que se fizesse uma pausa, antes da apresentação das conclusões. A directora fez um aceno, sem saber o que mais poderia fazer.

Os administradores levantaram-se para sair. O administrador de quem a directora não gostava fez um sorriso trocista, ao passar por ela, e resolveu falar-lhe.

- Acho que o projecto não deve ser aprovado. Mas reconheço que a apresentação teve um final muito fofinho.

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