O Paraguaçu e os golfinhos

José Tavares, economista e ex-gestor, decidiu atravessar o Atlântico num barco a remos. Sozinho. Durante quatro meses vai escrever para o PÚBLICO. Esta é a segunda crónica.

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José Tavares a verificar danos causados pelo mau tempo DR
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O remador a reparar os danos DR
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José Tavares já pensou em desistir DR

Esta viagem tem que ver com um sonho e com reflexões, mais do que com uma deslocação geográfica. Num dia posso avançar 30 quilómetros. Numa semana poderei deslocar-me 300 quilómetros mas a paisagem continua a ser a mesma. As rotinas tambem se alteram muito pouco pelo que, destes pontos de vista, não haverá muito que contar. O desconforto e sofrimento também se tornam monótonos, porque são constantes. Resta o mundo das sensações, a viagem interior, que acompanha toda a progressão geográfica.

É disto que tratarão o livro e as crónicas!

Tal como os barcos estão mais seguros num porto, embora não tenham sido construidos para estar aí, considero que também o Homem está mais confortável num hotel ou resort mas não foi 'criado' para estar aí. Somos seres essencialmente criativos e, como tal, para potenciar esta nossa virtude, não estamos feitos para estar encerrados em espaços geográficos e mentais restritos.

Esta semana não variou muito em termos do mar picado e do mal-estar geral. O GPS de apoio não funciona. Detectei água em dois compartimentos estanques. Na Gran Canária tive algumas dúvidas em continuar...

A visita dos golfinhos, no entanto, fez a diferença e foi praticamente diária. Consegui perceber a sua rotina a que chamei o "meet and greet" dos golfinhos: aproximam-se os batedores; nadam em frente da proa (para avaliar a velocidade?); dão uma volta em redor; nadam ao lado (estudando?); passam por debaixo, acelerando (não vá o vagaroso Paraguaçu executar alguma manobra inesperadamente rápida); dão mais uma volta em redor, desta vez mais perto (até meio metro dos remos); afastam-se; por vezes voltam a toda a velocidade, em linha recta com o barco; dão mais uma volta de despedida e desaparecem...

Incrivel as distâncias que percorrem!

Excerto do livro Ensaio sobre a Solidão (continuação...)
Bom, mas aqueles meus sonhos não tiveram, aparentemente, que ver com afectos e muito menos com waka waka, penso eu! Antes, sim, com barcos e água… Jane Dickson tem outra visão. Esta psicóloga-socióloga parece não partilhar da poética opinião de Gonzalo e, no livro Tudo está nos teus sonhos, defende que os sonhos podem reflectir factos triviais da nossa vida, “acontecimentos que foram arquivados na mente mas que se desvaneceram da consciência”.

Muitos sonhos são quase, com toda a segurança, mensagens do inconsciente, das profundidades da nossa personalidade (com a qual não estamos conscientemente em contacto) e podem constituir “mensagens do futuro”, na forma de “avisos” ou “premonições”.

O barco “representa a alma ou a consciência viajando no mar da inconsciência. Um barco governa-se e guia-se, e isso é o que devemos fazer com a nossa própria vida para conseguir o que desejamos e alcançar a felicidade”. Sonhar com um acidente marítimo ou naufrágio, por seu lado, “augura problemas de índole sentimental ou afectiva”. Enquanto contemplar uma fonte de água clara, “anuncia que as tuas relações afectivas serão serenas e prazenteiras”…

(continua – este livro vai sendo escrito durante a viagem)

As crónicas de José Tavares são financiadas no âmbito do projecto Público Mais




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