Solista do Bolshoi já confessou ataque ao director artístico

Polícia deteve três homens e implicou Pavel Dmitrichenko, um dos intérpretes principais da companhia de ballet russa. Rivalidades profissionais estarão na origem do ataque com ácido.

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Pavel Dmitritchenko numa interpretação de "Ivan, o Terrível" Reuters
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Pavel Dmitrichenko durante o interrogatório numa imagem divulgada pelo Ministério do Interior russo
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Andreï Lipatov numa imagem divulgada pelo Ministério do Interior russo
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Yuri Zarutsky que confessou ter realizado o ataque numa imagem divulgada também pelo Ministério do Interior
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Uma imagem composta com o director artístico do ballet, a Angelina Vorontsova e o namorado Pavel Dmitritchenko
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Sergei Filin, director artístico do Bolshoi depois do ataque

O mandante do presumível ataque com ácido contra o director artístico do Bolshoi, o bailarino solista da companhia do ballet russo, Pavel Dmitritchenko, confessou o crime, anunciou na quarta-feira a polícia de Moscovo, citada pela AFP. O executante do ataque, Yuri Zarutsky, e o chauffeur Andreï Lipatov também se confessaram culpados.

"A polícia de Moscovo deteve o presumível mandante Pavel Dmitritchenko e o agressor Yuri Zarutsky assim como como o motorista Andreï Lipatov que terá levado este último ao local do crime", segundo o comunicado da polícia de Moscovo. "Todos os três se reconheceram culpados. O inquérito continua para estabelecer todas as circunstâncias do crime."

“Sim, eu organizei o ataque, mas não com a extensão com que ocorreu”, disse Pavel Dmitrichenko num vídeo divulgado pela televisão russa, cedido pelo Ministério do Interior russo. Ele acrescentava que tinha confessado, conta o jornal britânico The Guardian, mas recusou dar mais detalhes no vídeo. O Canal 1, uma televisão estatal russa, disse que a namorada de Dmitrichenko, a bailarina Angelina Vorontsova, tinha conflitos profissionais com Sergei Filin. Já Andreï Lipatov disse também num vídeo citado pelo jornal britânico que se limitou a conduzir o carro: “Sim, eu estava lá na altura [do ataque]. Levei alguém. Não vi como aconteceu. Só o levei e trouxe. Pediram-me para o fazer, sem explicações.” O outro suspeito, Yuri Zarutsky, não quis fazer declarações em vídeo.

Apesar de não ter conseguido identificar o homem, escondido atrás de uma máscara, que o atacou em Janeiro com ácido sulfúrico, Sergei Filin disse dias depois que sabia quem era o responsável. O ataque foi na verdade um culminar de acontecimentos, que começaram com ameaças telefónicas frequentes. Mesmo assim o director artístico do Bolshoi recusou a protecção de um guarda-costas. No dia antes do ataque, o seu carro tinha sido vandalizado.

No Bolshoi os últimos desenvolvimentos desta história foram recebidos com choque e estranheza. “Ninguém entre os meus amigos consegue acreditar que Pavel Dmitritchenko seja o culpado. Tinha de ser louco para isso. Ele tinha tudo”, disse à AFP Sacha, bailarina do Bolchoï, explicando que Dmitritchenko até poderia ser bruto por vezes “mas fazia as coisas na cara”.

O jornal Libération citava hoje o Komsomolskaïa Pravda, que perguntava se o ataque a Fillin tinha por motivo Angelina Vorontsova, que havia sido recusada pelo director do Bolshoi para interpreter o papel principal no Lago dos Cisnes.  “No teatro dizia-se que Angelina estava frustrada porque Fillin ‘não a via’ nesse papel e tê-lo-ia dito ao professor Nikolai Tsiskaridze e ao companheiro Pavel Dmitritchenko."

Para Sacha, “esta tese não é credível”. “Não é um móbil suficientemente sério”, disse a bailarina, que fez questão de sublinhar que a distribuição dos papéis no Bolchoï é sempre um momento de tensão. “Algumas nomeações são feitas à base das relações pessoais ou do dinheiro, o que diz muito dos bailarinos do Bolchoï e o que explica que alguns solistas actuais, homens ou mulheres, não tenham qualidades para”, acrescentou.

Tsiskaridze foi o primeiro suspeito que a polícia interrogou em Fevereiro, após declarações de Anatoly Iksanov, o director-geral do Teatro Bolshoi que apontavam, segundo o jornal The Guardian, “para a atmosfera venenosa dentro do teatro” que o também bailarino e tido como rival na corrida à liderança do Bolshoi havia criado.

Pavel Dmitrichenko, nascido numa família ligada à dança, é solista no Bolshoi para onde entrou em 2002. Aos 28 anos, alcançou o lugar de solista da companhia, um grau abaixo da categoria principal etoiles. Quando no final de 2012 interpretou Ivan, o Terrível, a sua actuação foi alvo de críticas na imprensa, recorda a agência AFP. “As suas capacidades são muito limitadas, já para não falar dos seus atributos físicos”, escreveu Tatyana Kuznetsova no diário Kommersant. A reacção de Dmitrichenko não se fez esperar, insurgindo-se contra a opinião de uma das mais importantes críticas russas. A direcção de Fillin havia previsto que Dmitrichenko interpretasse, a 16 de Março, um papel secundário na nova produção de A Bela Adormecida, a 16 de Março.

Rusgas em casa de Dmitritchenko

Foi só ao final do dia de terça-feira que o Ministério do Interior divulgou em comunicado que tinha detido três homens envolvidos no ataque e se soube a sua identidade numa operação que tinha começado logo de manhã. Segundo uma fonte da polícia citada pela agência Ria Novosti “existem provas” de que o ataque ao director artístico do Teatro Bolshoi, Sergei Filin, a 17 de Janeiro, “foi ordenado por Pavel Dmitritchenko” e que a polícia está agora a tentar perceber os motivos que levaram ao crime.

De manhã, o primeiro detido não foi identificado e os pormenores foram sendo divulgados ao longo da tarde de terça-feira, com  várias informações contraditórias. “A pessoa está a ser interrogada”, disse de manhã à Bloomberg Maxim Kolosvetov, porta-voz da polícia. “Os investigadores têm 48 horas para decidir se será preso.” Foram entretanto desencadeadas “acções de investigação urgentes” e decorreram buscas no apartamento de Pavel Dmitrichenko, que vive no mesmo complexo habitacional que Filin.

O Washington Post citava na terça-feira a televisão estatal russa dizendo que as autoridades teriam chegado até chauffeur e ao suspeito de ter praticado o crime através dos registos de chamadas de telemóvel. Na sequência do ataque, Filin disse que os seus telefones, contas de e-mail e de Facebook teriam sido violadas.

O Ministério do Interior divulgou imagens das buscas e a agência de notícias Interfax cita um responsável policial que indica que estas resultaram em “várias pistas quanto ao organizador deste crime”. A ideia da existência de um mandante por trás do perpetrador do ataque ao director artístico do Bolshoi tinha vindo a crescer de importância no discurso das forças de segurança e a porta-voz do Bolshoi congratulou-se terça-feira de manhã com a detenção de um suspeito: “Se se conseguiu chegar ao autor material do ataque, há esperança de encontrar a pessoa que o encomendou.”

Há cerca de um mês, a polícia russa tinha já anunciado que estava a identificar suspeitos do ataque a Filin, director artístico do Bolshoi desde Março de 2011 com um mandato de cinco anos, mas indicava, citada pela Interfax, estar focada em funcionários do teatro, bailarinos e trabalhadores de outras áreas.

Nikolai Tsiskaridze, bailarino principal do Bolshoi, no centro de uma polémica com a direcção-geral do teatro, disse, por seu turno, que viu Filin e Dmitrichenko discutirem em público sobre questões financeiras, com o solista a acusar alegadamente o director artístico de favoritismo. “Toda a gente sabia”, cita o New York Times.

Sergei Filin continua na Alemanha em tratamentos. As lesões que o ex-bailarino de 42 anos sofreu, sobretudo queimaduras de terceiro grau no lado direito da face e pescoço, levaram a três intervenções cirúrgicas oculares. O director artístico conta regressar ao trabalho no Verão, disse ontem a porta-voz do teatro.

 
Notícia alterada às 9h21 de 6/3, acrescentando a confissão dos três detidos
 
 

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