Ribeira dos Milagres, em Leiria, alvo de nova descarga poluente

Solução para tratar efluentes das suiniculturas da região tarda em sair do papel.

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Descargas ilegais ocorrem há décadas DR

A Ribeira dos Milagres, em Leiria, amanheceu nesta segunda-feira manchada por uma nova descarga poluente. O episódio junta-se à extensa lista de denúncias feitas pela Comissão de Ambiente e Defesa da Ribeira dos Milagres, que aponta o dedo às suiniculturas. Estas culpam o Governo pelos avanços e recuos na construção de uma estação de tratamento dos efluentes.

Na página de Facebook daquela associação ambientalista não faltam fotografias que documentam um problema que se arrasta há décadas. Nesta última descarga, que deixou a água castanha e cheia de espuma, “é fácil identificar o infractor”, garante à Lusa o porta-voz da Comissão, Rui Crespo, adiantando que foi feita uma queixa na GNR. A poluição é visível numa linha de água em cujas margens “só estão instaladas duas ou três suiniculturas”, lê-se na legenda de uma das fotografias.

Rui Crespo critica a “impunidade daqueles que poluem” com descargas “constantes e encaradas como uma situação normal”. O dedo é apontado aos suinicultores e à ausência de uma solução para o tratamento dos seus efluentes, esperada há mais de uma década, mas que tarda em sair do papel.

O protocolo que previa a construção de uma estação de tratamento de efluentes suinícolas (ETES) na região de Leiria, que iria contribuir para a despoluição da bacia do rio Lis, foi assinado a 30 de Janeiro de 2000 pelo então ministro do Ambiente, José Sócrates. Porém, passados 13 anos, nada aconteceu e as descargas continuam.

“Portugal chegou ao ponto em que está por falta de uma estratégia a médio e longo prazo, e este projecto foi vítima dessa falta de estratégia”, critica David Neves, presidente da Associação de Suinicultores de Leiria e da Recilis, empresa criada para gerir o tratamento dos efluentes suinícolas da região. “Sempre que se alteravam os actores na cena política, o projecto sofria alterações”, acrescenta, lamentando a indefinição em torno do projecto, que atribui à “inércia, incapacidade e incompetência” dos sucessivos governos.

A estação, que seria construída na freguesia de Amor, no concelho de Leiria, implica um investimento que ronda os 18 milhões de euros. Está projectada para receber e tratar cerca de 1500 metros cúbicos de efluentes dos concelhos de Leiria, Batalha, Pombal, Marinha Grande e Porto de Mós. Só nesta zona há pelo menos 430 suiniculturas, que garantem sete mil postos de trabalho e são responsáveis por 15% da produção nacional, segundo David Neves.

Em Dezembro, a ministra do Ambiente, Mar, Agricultura e Ordenamento do Território, Assunção Cristas, disse que estão previstos dez milhões de euros no Programa de Desenvolvimento Rural (Proder) para suportar parte do investimento. A Recilis, em parceria com outros investidores privados, teria de pagar o restante. David Neves garante que, neste momento, o problema não se coloca a nível financeiro. “É uma questão de decisões políticas”, afirma.

O projecto prevê a produção de energia através do biogás, que será depois vendida à rede eléctrica. “Daí viriam dois terços das receitas, fundamentais para o projecto ser sustentável do ponto de vista económico-financeiro”, explica David Neves. Mas falta definir a tarifa. “Essa é uma questão importante, porque a tarifa tem de ser suportável pelo sector”, defende.

Segundo este responsável, falta também definir aspectos relacionados com o licenciamento das explorações suinícolas e com a dimensão do sistema. “O projecto está definido, a tecnologia está encontrada, o modelo económico-financeiro está praticamente fechado, os terrenos existem e até já foi feita a avaliação de impacto ambiental. Só falta isto”, diz David Neves, sublinhando que está em causa “a sobrevivência de um sector que deve ser estratégico para Portugal e para a região”.

O PÚBLICO contactou o gabinete de Assunção Cristas para obter esclarecimentos, sem sucesso. O presidente da Recilis acredita que com este Governo o processo poderá avançar “em breve” e garante que está “a desenvolver todos os esforços” para concretizar o projecto, classificado como PIN (projecto de interesse nacional) em 2012.

Sobre as descargas registadas nesta segunda-feira na Ribeira dos Milagres, David Neves não se alonga em comentários. “Lamento que assim seja, mas, mesmo resolvendo o problema das suiniculturas, não teremos resolvido todo o problema da poluição”, conclui.

Notícia actualizada às 7h19 de 19/02: esclarece, no oitavo parágrafo, que o biogás será utilizado para a produção de energia, depois vendida à rede

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