Na cadeira de sonho

Um homem no seu espaço. Porta aberta, mesa grande onde pôr ideias e soluções diárias, projectar. Rui de Sousa chegou ao Tivoli em 1998, escolheu uma sala para si, confortável, mas sem nada de muito pessoal. Preferiu estar perto dos clientes fazendo de todo o hotel o seu território. Ele anda por lá, mas só os mais atentos ou os que o chamaram dão por isso.

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Miguel Manso

Diva tem 92 anos e deve estar para chegar. Esteve 15 anos sem aparecer e de repente voltou em Dezembro com o nome de um velho funcionário como referência. Melhor: como alguém capaz de a fazer sentir em casa. Um achado desses é para guardar.

Diva, tantos anos ausente, veio e promete voltar por estes dias. Quinze anos sem uma visita e um bis com dois meses pelo meio. Ela era uma criança quando chegou pela primeira vez, com a família, amiga de outra família, os Machaz, um dos fundadores do Hotel Tivoli, em 1933. E veio sempre até ter deixado de vir.

Rui de Sousa não a conhecia. O director-geral do Hotel Tivoli Lisboa fala dela como de um exemplo de cliente que fez o hotel onde se sente como... Não é em casa. É outra coisa. Uma espécie de missão que passa pelo contacto muito próximo com o cliente ainda que esse cliente esteja a mudar. São menos as Divas do que os homens e mulheres de negócio que chegam para conferências, reuniões...

Business” é o termo para classificar a nova vocação de hotéis centrais, em cidade, com mais de 300 quartos e cinco estrelas na lapela. Mas Rui não esquece a história deste hotel e quer continuar a mimar o cliente particular que, no balancé da crise chega cada vez menos de Portugal e mais do Brasil, um país fiel e de longas estadas no hotel da Avenida da Liberdade.

É ele quem conta a história naquela a que chama a sua cadeira de sonho, aquela onde sempre quis estar e onde chegou em 1998. Recosta-se, sorri. “Sim, esta é a minha cadeira de sonho.”

Em pele “camel” num tom que, mais ou menos acentuado, marca a sala de trabalho onde está quase desde que chegou, justamente na última das cinco fases de reconstrução pelas quais passou o Tivoli Lisboa desde a sua existência, e feita segundo o seu gosto. Nada de especial, avisa.

Muita madeira, papel a forrar as paredes, e uma enorme mesa de reuniões que avança desde a tal cadeira. “Esta é a grande marca de um espaço feito para receber as pessoas que trabalham comigo.” É ali que se sentam os directores, todos os dias às nove da manhã. É ali que se sentam seja para planear o dia, conceber projectos, construir a vida do hotel.

Necessidades a la carte
Falamos de um homem no seu espaço e esse homem não se confina à sala onde nada está fora do lugar. “Os objectos fazem sentido e são úteis quando estão onde devem estar. Não gosto de ter coisas espalhadas.”

A porta está aberta. Entra quem quer, mas ele também sai, muito. Está na recepção a atender clientes que acabam de chegar. Quer saber deles, mostrar que está ali para qualquer coisa. Sabe que num hotel como aquele também as necessidades são a la carte e a disponibilidade a única forma de as satisfazer.

O telemóvel está sempre na mão, um olhar de soslaio para o aparelho, de vez em quando, enquanto anda por cada canto, talvez apenas para responder a uma reclamação de um cliente que não gostou do quarto. Não diz “apenas”. É uma das funções mais nobres esta, a da proximidade com quem escolhe ficar no hotel que dirige e sempre que o solicitam e ele está disponível, segue.

Alguém falou em patine? Se o Tivoli a tem, foi assim que a conquistou. Rui de Sousa, que antes esteve no Ritz, ali bem perto, não a quer quebrar. Foi ela quem o levou a seguir esse sonho; é ela e a sua exigência, garante, o que o mantém lá.

E anda por cada canto, corredores, prefere as escadas, vai aos restaurantes, dois. Passa pelo bar, cumprimenta quem está sentado nas poltronas do lobby. A sala é o seu centro, mas o hotel é o seu território que se estende a outros. Aí é preciso fazer-se à estrada.

Seteais, Oriente, Jardim – ali ao lado, a avistar-se do seu gabinete – Coimbra. “Gosto muito de estar com as pessoas, de falar com elas, no sítio onde trabalham”. Chama a isso walking management e agrade mais uma vez ao telemóvel por existir. “Permite-me estar mais afastado do computador e ser capaz de responder às solicitações mais urgentes, estar a par de tudo o que se passa. E é muita coisa.

Ao mesmo tempo pode estar a decorrer uma conferência, um evento grande no restaurante, uma reunião de diplomatas ou um cliente a exigir falar com o director geral porque a refeição não estava como deveria. “Os outros directores estão lá, mas muitas vezes sou chamado.” E corre. E gosta, diz ele, sentado na sua cadeira de sonho, ao fim de um dia que começou cedo, com um pequeno almoço no refeitório dos funcionários às oito e meia.  Mais umas conversas, assuntos em dia. Isto se não houver uma reunião de trabalho ao pequeno-almoço. Depois é a rotina e é todos os dias diferente porque num hotel não há dias iguais. “Já se sabe, não é? Pois, é mesmo assim.”

O que é que o Tivoli tem?
E é preciso estar preparado para o que for. É um lema de quem não esquece que “os clientes são a razão de ser de um hotel”, centro de espionagem na II Guerra Mundial, refúgio de judeus em fuga para o outro lado do mundo, casa de Beatriz Costa durante anos. Tantas histórias...

Rui de Sousa é, no momento, o seu guardião e não esconde o gosto que isso lhe dá. Ele vive no seu gabinete ou no espaço que o circunda durante 12, 14 horas por dia, mas sente-se a viver na história recente de Lisboa. Temos então um espaço e um tempo a designar os dias de Rui de Sousa que, sem perder a tradição, quer um hotel contemporâneo, que vê a concorrência “cada vez mais feroz”.

E o que é que o Tivoli tem? Factor diferenciador, pergunta-se. “A capacidade de proporcionar o sonho. Isso passa por criar essa relação emocional com as pessoas. O hotel é isso. É criar relações com as pessoas, proporcionar experiências. e é isso que cria vínculos com o cliente, é aí que vejo que o hotel é importante como factor diferenciador. E o Tivoli tem isso.”

E tem um director a olhar para o relógio. Há gente a chegar. Rui sai da sala, desce as escadas estreita que vai da zona administrativa até bem junto da recepção. Passa por um gabinete. Faz uma ou duas perguntas. Continua a descer. E já está no e seu espaço longe dos bastidores, mas sem se fazer notar. Confunde-se com quem está, com quem passa. Tem um telemóvel que de vez em quando o afasta. Mas volta sempre. Não está em casa. Está no tal lugar que sonhou.

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