A “mulher mais feia do mundo” esperou 150 anos por um funeral digno

Em 1860 morria Julia Pastrana, uma mexicana que sofria de duas doenças raras. Em vida e em morte foi exibida em espectáculos de aberrações. Um século e meio depois da sua morte, foi sepultada com honras na sua terra natal.

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Cerimónia fúnebre em Sinaloa de Leyva, no México Reuters

A mexicana Julia Pastrana só terá sido assim chamada pelos que lhe eram mais próximos. Para o mundo foi a “mulher mais feia do mundo”, ou a “mulher barbuda” ou ainda a “mulher macaco”. As designações insensíveis que lhe foram atribuídas devido a duas doenças raras de que sofria eram um chamariz para os espectáculos em que participou. Tinha 26 anos quando morreu em 1860. O seu corpo embalsamado foi exibido em feiras até ir parar à Universidade de Oslo. Cento e cinquenta anos depois uma mulher quis dar-lhe um funeral digno.

Ao procurarmos imagens de Julia Pastrana na Internet surgem retratos do século XIX de uma mulher com uma aparência estranha. Aparece ainda uma fotografia bizarra de uma mulher e uma criança. Julia sofria de hipertricose lanuginosa, uma doença que cobria a sua cara e corpo de uma pilosidade densa, e de hiperplasia gengival, que lhe desfigurava também a boca e o maxilar.

Não se sabe como conheceu durante os anos 1850 aquele que viria a ser o seu marido mas também aquele que a levaria pelos Estados Unidos e Europa enquanto cantora e bailarina, dons que eram reconhecidos a Julia. Mas Theodore Lent, um empresário norte-americano, não escolhia prestigiadas salas de espectáculo. Julia, que só se tornaria sua mulher mais tarde, era exibida em “freak shows”, como se designavam os espectáculos de aberrações humanas ou animais que atraiam multidões naquela época.

Julia morreu em 1860, aos 26 anos, em Moscovo, dias depois de ter dado à luz um menino, com problemas de saúde semelhantes aos da mãe e que morreria no dia do parto. Theodore Lent decidiu embalsamar os corpos da mulher e do filho e mais tarde usá-los em feiras em que participava. Após a morte do empresário norte-americano, os dois corpos passaram de mãos durante décadas até chegarem a um parque de diversões norueguês no início da década de 60. Em 1976, os corpos foram roubados do armazém onde eram guardados, indica o The New York Times, e foram encontrados pela polícia. Os restos mortais de Julia e do filho acabariam por ser adquiridos em 1996, pelo departamento de anatomia da Universidade de Oslo, na Noruega, onde permaneceram até aos dias de hoje.

Em Abril de 2012, a história da vida de Julia teve mais um capítulo, quando a universidade aceitou que os seus restos mortais e os do filho fossem levados para o México, o seu país natal. A decisão foi tomada depois da artista mexicana Laura Anderson Barbata ter lançado uma campanha em 2005 para que os corpos fossem enterrados no país. A paixão de Barbata pela história de Julia começou com uma peça de teatro que a irmã Kathleen Anderson Culebro produziu sobre a vida da mexicana que viajou pelo mundo como uma aberração. “Senti que ela merecia ter o direito a reconquistar a sua dignidade e o seu lugar na história e na memória do mundo”, disse Barbata ao The New York Times. A artista pretende alterar a posição de Julia “como vítima para uma em que seja vista na sua integridade e complexidade”.

“Imagino a agressão e crueldade humana que teve de enfrentar e agora ela superou-o. É uma história muito dignificante”, disse Mario Lopez, o governador do estado de Sinaloa que apoiou a campanha para que Julia Pastrana regressasse à sua terra natal.

Cento e cinquenta anos após a morte de Julia Pastrana, Barbata conseguiu o que pretendia. A sua conterrânea teve direito a uma cerimónia fúnebre na terça-feira em Sinaloa de Leyva, no México. Centenas de pessoas assistiram as cerimónias e acompanharam a urna branca com os restos mortais de Julia.

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