A política é uma questão de gente para Gus van Sant (e Matt Damon)

Terra Prometida, hoje na competição de Berlim.

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O realizador Gus Van Sant (no centro) e os actores Matt Damon (à direita) e John Krasinski em Berlim REUTERS/Thomas Peter

Toda a gente pergunta se Terra Prometida é um filme “político”. Como não o seria, se o seu tema é o polémico processo de fracturação hidráulica ou fracking, que corre o risco de destruir a natureza na sua maximização dos recursos naturais, poluindo as camadas freáticas e contaminando o solo?

Só que não é por aí que vamos entusiasmar Gus van Sant. Na realidade, o realizador é o primeiro a dizer que, para ele, Terra Prometida foi uma encomenda.

Não é surpresa, o autor de Elephant tanto é capaz do filme de autor puro e duro (Gerry, Últimos Dias) e do filme mainstream clássico como Hollywood já não sabe fazer (O Bom Rebelde, Milk). Terra Prometida pertence a esta última vertente, porque Matt Damon – actor, produtor e argumentista do filme – não viu outra pessoa a quem pudesse pedir para dirigir aquela que deveria ter sido a sua estreia na realização e que não o foi porque ficou retido numa outra rodagem.

“Tivemos sorte que o Gus estivesse livre”, diz o actor numa mesa-redonda de imprensa em Berlim, onde veio com Van Sant promover o filme, a concurso na selecção oficial da Berlinale 2013 (e com estreia marcada para Portugal a 28 de Março). E faz sentido que Damon tenha pensado primeiro no cineasta de Milk: tal como na sua primeira colaboração em O Bom Rebelde, Terra Prometida é um filme sobre os dilemas da integridade, sobre o confronto entre o dinheiro e a tradição, que interliga o pessoal e o social de modo como Hollywood já soube fazer nos anos 1970 e como hoje já parece não querer fazer.

Ora, é precisamente nesse território em mudança que Van Sant e Damon se instalam: um filme de resistência sobre uma cidade moribunda que tem de escolher entre resistir ou adaptar-se. Numa terreola da Pensilvânia rural, a opção é abandonar a terra e aceitar o dinheiro das indústrias energéticas, ou arriscar a falência e deixar a recessão económica sangrar a comunidade aos poucos.

Não há escolhas fáceis, há sempre um preço a pagar – e Damon interpreta Steve Butler, o representante da companhia de gás natural, que acredita que o fracking pode ajudar à sobrevivência das comunidades porque viu a sua própria cidadezinha morrer quando a economia local morreu.

E é esse factor humano que faz a diferença quanto ao filme de “mensagem” em que Terra Prometida arrisca cair às vezes: é uma história de gente apanhada numa encruzilhada onde ninguém está certo nem errado, sem diabolizar ninguém, aproveitando ao máximo o elenco de luxo que por aqui anda (Damon, John Krasinski, Frances McDormand, Hal Holbrook, Rosemarie de Witt, Titus Welliver, Scoot McNairy).

É por isso que Terra Prometida soa verdadeiro, não é um simples filme liberal de mensagem – há gente lá dentro que faz escolhas e tem de viver com elas (como Frances McDormand, a colega de Damon que passa o tempo a dizer “isto é só um emprego”, um meio para o fim de pagar a faculdade do filho adolescente).

Mas mesmo os empregos têm consequências. E Damon, sem pinga de vedetismo, admite que não teria sido capaz de filmar esta história como Van Sant. “Há uma cena em que estou a vender o meu peixe a um dos habitantes da terra. O Gus filmou essa cena dando a primazia à menina que faz de filha do tipo, e enquadrou-o a ele no fundo, e de mim só se vêem as mãos. Num único plano está explicada a questão central do filme: enquanto a menina brinca com um livro de colorir, por trás das costas dela estão a negociar o seu futuro.”

 

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