Achamentos

Nem achados, nem descobrimentos. Os achamentos são uma prática relativamente comum, inofensiva até, excepto nos casos em que é capaz de fazer desaparecer uma ideia com potencial ou dar como perdido o que poderia ter sido um grande projecto.

Como quem não quer a coisa, os achadores são capazes de fazer as observações mais seguras. Isto nas mais diversas áreas, desde o desporto à cultura, passando pela política. Achamentos mediáticos não faltam. Até aqui nada de grave, é natural e saudável acharmos sempre alguma coisa. Nada de grave, diria, desde que o achamento não interfira no percurso do assunto.

O caso muda de figura quando os achamentos põem em causa planos, projectos ou outro tipo de situações para os quais são contratados profissionais, supostamente, seguros da matéria. Isto é, quando houve investimento em talento e em conhecimento, do contratado e do contratador. Aí, ouvido o especialista a apresentar o estudo para o qual foi chamado a pensar – uma campanha de publicidade, um projecto de arquitectura, um guião para um filme, por exemplo – solta-se o primeiro achamento tímido, do tipo: "eu não percebo nada disto, mas causa-me estranheza o azul, aqui… não sei..." Ou: "a senhora é que é a especialista mas eu acho que funciona melhor ao contrário!" Ou ainda: "está bem esgalhado, sim senhor. Olhe, só lhe punha mais uma coluna deste lado...".

De achamento em achamento, o projecto passa a repositório de consensos.  Desfigurado, portanto. O pior é que, no final, ninguém fica com a responsabilidade do achado pois foi-se apenas achando... Na dúvida, o especialista não percebia nada do assunto e, por isso, não resultou.

Estas situações são mais frequentes quanto mais perceptível for a área de especialidade. Quanto menos hermética for a narrativa. Áreas com um léxico relativamente fácil de compreender estão mais expostas ao achamento.  Pelo contrário, se se tratar de expressões técnicas, até de anglicismos, o risco de achamento é menor. Por conseguinte, profissionais da áreas sociais e humanas estão mais sujeitos a achamentos do que engenheiros, matemáticos, biólogos ou físicos. Afinal, quem vai opinar sobre E2= (mc)2 + (pc)2? Atrever-se a acrescentar um “m”? Eu não me atreveria. Ou dizer que DNA deve ser escrito todo em maíusculas? Ou ainda dizer que retrovírus deve ser retirado do relatório porque é uma palavra retrógrada? Então, por que é tão fácil sugerirmos palavras, cores ou  formas nas “fórmulas” dos outros? Se os achamentos não fossem uma prática tão corrente, acredito que conseguiríamos melhores resultados. Ou, pelo menos, poderíamos acusar, com toda a legitimidade, o especialista de incompetência. Tudo isto leva-me a pensar que, se acharmos menos sobre o que sabemos menos, ganhamos mais. Acho.

A autora é investigadora na Universidade do Minho e directora da b+ comunicação

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