Bruxelas debate proposta para aplicação de aditivos no bacalhau

Comissão Europeia discute hoje sobre uso de polifosfatos, que aumentam o índice de água no peixe, o que dificulta o processo de secagem, e o torna mais caro para as empresas portuguesas.

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Associação dos Industriais do Bacalhau pediu adiamento da votação para incluir ajustes defendidos por Portugal Adriano Miranda

A Noruega está "aberta a qualquer tipo de controlo" que Portugal considere necessário sobre o bacalhau verde salgado que entrar no país para assegurar que este não tem polifosfatos, garantiu ao PÚBLICO o embaixador da Noruega em Portugal, Ove Thorsheim.

"Estamos dispostos a encontrar soluções", disse o diplomata, admitindo mesmo a possibilidade da participação financeira nos custos das análises ao bacalhau para atestar da presença, ou não, dos aditivos. "Podemos contribuir para uma unidade de análise em Portugal", disse, o que evitaria análises no estrangeiro.

Nesta quinta-feira é discutida em Bruxelas a proposta apresentada pela Dinamarca e a Alemanha para que a União Europeia autorize a utilização de aditivos alimentares – os polifosfatos – no peixe salgado, nomeadamente no bacalhau verde salgado, que é depois submetido ao processo de seca em Portugal de acordo com a cura tradicional. Trata-se, para já, apenas de um debate ao nível técnico, e não está ainda agendada uma data para a votação final da proposta. 

O Governo português conseguiu que a proposta inclua uma cláusula especial argumentando que Portugal aplica o processo de secagem tradicional e que "o uso de polifosfatos pode influenciá-lo" negativamente. Garantiu também que a Comissão Europeia vai monitorizar o comércio de bacalhau para Portugal, e que haverá um sistema de etiquetagem que permita ao consumidor saber o que está a comprar. A Associação dos Industriais do Bacalhau (AIB) considera, no entanto, que estas não são garantias suficientes e diz temer que "o tradicional bacalhau português tenha os dias contados".

A adição de polifosfatos aumenta o índice de água no peixe, o que dificulta o processo de secagem, e o torna mais caro para as empresas portuguesas. De acordo com dados da Secretaria de Estado do Mar, o tempo de cura passaria em média de 72 horas para 15 dias, o que significa um acréscimo estimado de custos de cinco milhões de euros por ano. Para ter a certeza se o bacalhau importado tem ou não polifostatos seriam necessárias análises, que aumentariam os custos e a duração do processo, afectando a competitividade das empresas portuguesas.

Além disso, diz o secretário-geral da AIB, Paulo Mónica, ao PÚBLICO, "as características do produto final, a nível de textura, cor e sabor, vão ser necessariamente diferentes" – uma afirmação que é corroborada pela associação de defesa dos consumidores Deco, que lembra ainda que a medida "vai contra os princípios de utilização de aditivos previstos na regulamentação comunitária".

A AIB critica a "intransigência da Comissão Europeia em impor regras claras e transparentes", e considera que esta "opta por uma saída airosa, em que basicamente demite-se das suas funções" porque "fica claro que não vai haver fiscalização em nenhum país e que a Comissão cede mais uma vez aos países do Norte da Europa, ficando totalmente desprotegidos os do Sul, que vão receber peixe com químicos".

Manter a cor branca
"Entendemos que a proposta não salvaguarda a posição da indústria portuguesa", afirma Paulo Mónica, sublinhando, contudo, que em relação "às diligências e negociações" que a ministra terá feito nos últimos dias em Bruxelas não dispõe de informação detalhada.

A indústria portuguesa é obrigada por lei a vender o bacalhau seco com um nível de humidade abaixo dos 47% - uma exigência que não se aplica ao bacalhau seco importado. Daí que, de acordo com a AIB, as empresas portuguesas que secam bacalhau (existem 45 registadas, a associação representa 19) sejam prejudicadas por um "diferencial ao nível da concorrência", agravado pela adição de polifosfatos.

O embaixador Ove Thorsheim garante, por seu lado, que o produto que entrar no país não terá aditivos. "Portugal é o nosso maior mercado, não faremos nada que ponha isso em causa. Tecnicamente marcaremos o peixe para saber qual tem e qual não tem aditivos", afirma. Aceitando, contudo, que Portugal tem que ter mecanismos de controlo para confirmar a veracidade da informação, afirma que o seu país está totalmente disponível para discutir "qualquer controlo".

"Não vamos alterar o produto - não é do nosso interesse fazê-lo", repete o embaixador, tendo em conta que Portugal é um mercado no qual a Noruega vende um milhão de euros de bacalhau por dia. A utilização dos polifostatos destina-se ao peixe que é vendido para outros países, entre os quais a Espanha, a Itália ou a Grécia, onde o bacalhau é consumido fresco, e os aditivos ajudam a manter a cor branca e a impedir a oxidação, explicou.

O comunicado da Secretaria de Estado do Mar refere, no entanto, que "Estados-membros como a França, Espanha, Itália, Grécia e países da Europa do Leste são sensíveis às preocupações de Portugal", enquanto "Suécia, Dinamarca, Alemanha, Finlândia e Países Baixos são os defensores da adição de polifosfatos por razões comerciais".

Notícia corrigida: não se trata da votação mas apenas de um debate sobre a proposta de adição dos polifosfatos

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