Butch Morris, o maestro da improvisação (1947-2013)

Era um trompetista de formação que abandonou o trompete para perseguir uma ideia, a conduction, que definiu como "improvisação livre para ensemble e maestro"

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Chamou ao seu método conduction, definida como “um dueto improvisado para ensemble e maestro”

Em 1985, quando apresentou o seu método, encontrou muitas resistência. A sua persistência deu frutos. "Sentimos que estamos no início de uma nova e excitante linguagem musical", escreveu a Gramophone. Butch Morris morreu terça-feira em Nova Iorque, aos 65 anos, vítima de cancro.

Butch Morris já não tocava o trompete desde 1998 e não sentia falta de o fazer. A sua música não precisava, ou melhor, a sua visão musical dispensava o seu sopro. Nascido em Long Beach, na Califórnia, em 1947, distinguiu-se pelo arrojo de uma ideia e pela forma como lutou e persistiu até vê-la aceite e admirada. Butch Morris era um músico de jazz, era um improvisador, era um maestro. Chamou ao seu método conduction, definida como “um dueto improvisado para ensemble e maestro”. A revista Gramophone escreveu que “nada se compara à magnitude da visão pessoal que Morris tem da direcção. Sentimos realmente que estamos no início de uma nova e excitante linguagem musical”. Butch criou-a, mas já não verá o que dela frutificará no futuro. Um cancro matou-o terça-feira em Brooklyn, Nova Iorque, aos 65 anos.

Em Julho do ano passado tivemos em Portugal, dirigindo um atelier de cinco dias com instrumentistas portugueses, no Centro Cultural de Belém, este músico que integrou o octeto de David Murray e que, pouco após a sua chegada a Nova Iorque, no início da década de 1980, se embrenhou na comunidade dedicada a explorar a improvisação jazz que ali florescera, aproveitando também para se apresentar junto do meio artístico que procurava novas linguagens, assentes no trabalho multidisciplinar. Em entrevista ao PÚBLICO, definiu assim o seu trabalho: “Eu faço música com seres humanos. Reunimo-nos e fazemos música no momento”.

A sua conduction não se restringia ao trabalho com improvisadores. O seu método consistia em orientar o ensemble perante si através de uma série de sinais pré-definidos – para repetir sequências, para suster notas, para memorizar acordes que seriam utilizados mais tarde. “Se existe um improvisador no ensemble, sou eu. Sou eu que lhes dou os estímulos. Os músicos fornecem o conteúdo, mas estão apenas a interpretar directivas. Se o sinal diz ‘repetir’, o músico pode repetir aquilo que entender, mas não deixa de interpretar o sinal”.

Butch Morris apresentou este conceito em 1985 e sentiu inicialmente muita resistência à proposta. “Mas exigiu ser levado a sério e foi levado a sério”, lemos no obituário que lhe dedica o New York Times. “Após 10 anos tinha feito gravações suficientes para editar Testament, uma bem recebida colecção de 10 discos com o seu trabalho. Vinte [anos depois], tornara-se uma força criativa admirada internacionalmente, apresentando conductions em salas de concerto mundo fora”.

Os workshops que apresentava foram a principal forma de apresentação do seu método e de sustentação do seu legado. Mas foi também, entre 1998 e 2001, professor na Universidade de Bilgi, em Istambul. Entre os músicos com quem trabalhou encontram-se os saxofonistas John Zorn ou Frank Lowe, encontram-se orquestras inteiras ou intérpretes de instrumentos tradicionais de países diferentes conduzidos em conjunto. Na entrevista ao PÚBLICO em Julho de 2012, afirmava mesmo que esse cruzamento de músicas e instrumentos era, para ele, “o mais fascinante”: “A música soa única, muito diferente, mas todos sabem como se relacionar com ela, como aplicar o seu estilo e participar nessa nova lógica social”.

Apontando como referências Sun Ra, Lukas Foss, Charles Moffett ou a Two Improvisations for Orchestra, de Leonard Bernstein, dizia não se preocupar com aquilo que chamavam à sua música. Mas concedia que, “desde que seja um homem negro a tocar um trompete, serei um músico de jazz aos olhos das outras pessoas. Isso suficientemente bom para mim. Não há nada de mal em ser chamado músico de jazz”.
 
 

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