Cavalgar a onda da Nazaré

Não precisamos de ficar sentados à espera que alguém descubra petróleo ou gás no subsolo marinho para tirarmos proveito do que o mar nos pode dar já hoje. A onda na Nazaré constitui um dos mais desafiantes novos usos do mar.

No meu país, só nos metemos no autocarro turístico na nossa cidade quando temos visitantes de fora. Talvez pelo mesmo motivo, também temos mais facilidade em apreciar as coisas boas que por cá existem quando um forasteiro nos chama a atenção para elas. Com o Felipão de 2004, perdemos a vergonha de nos passearmos com uma bandeira nacional, mesmo com pagodes no lugar dos castelos, que na altura simbolizava bem mais do que o apoio a uma selecção de futebol. E ficámos contentes.

Nestes dias, assistimos com emoção e orgulho a um havaiano surfar uma enorme onda na Nazaré. Sim, a nossa onda! Cá! Mesmo sem o efeito mediático de toda a máquina publicitária por detrás de Garrett McNamara, seria difícil o reconhecimento nacional se de um talentoso surfista português se tratasse. De qualquer forma, o que interessa agora é que estamos nas bocas do mundo por bons motivos. Uma onda! A mesma que outrora era temida por todos e ceifou a vida a pescadores é agora elogiada como a melhor do mundo. A onda que não possibilitava trazer o sustento do mar é agora a que todos querem ver ao vivo. A sua cor, o seu rugido, a sua espuma trazida pelo vento. A onda da Nazaré deve ser por isso assunto de Estado.

Já tem nome? Espero que sim. No Havai teria com certeza. Poderemos ressuscitar algum nome da tradição marítima nazarena? Quanto vale ou quanto poderá valer em proveitos turísticos? O que podemos fazer para a promover e proteger? Já temos uma reserva mundial de surf na Ericeira. E na Nazaré? O que estamos à espera? E tudo o resto à volta? As infra-estruturas, a publicidade, o doce regional com o nome da onda, o reconhecimento de “onda de interesse nacional” por quem tutele as ondas, o pacote turístico negociado que possibilite o transporte aéreo gratuito de uma prancha com dimensões adequadas para a onda, a fábrica de pranchas compatíveis com a onda, o heliporto para voos cénicos, o telescópio no miradouro com medidor laser de ondas com fotografia instantânea, o centro de interpretação que explique a todos como e quando se forma a onda e… tudo o mais nos ocorra.

Nos Açores, o último cachalote legalmente caçado remonta a 1987, tendo sido feito um percurso de transferência da actividade económica da baleação para a observação dos mesmos animais. Recuperaram-se vigias, saberes antigos e ergueram-se museus. Esta indústria turística rende agora milhões por ano. Não precisamos de ficar sentados à espera que alguém descubra petróleo ou gás no subsolo marinho para tirarmos proveito do que o mar nos pode dar já hoje. De regresso à onda na Nazaré, ela constitui um dos mais desafiantes novos usos do mar, tenhamos a arte de a cavalgar. Todos lucraremos com isso. Obrigado, Garrett!

Biólogo, professor auxiliar na Universidade Lusófona em Lisboa 
 
 
 
 

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