O senhor de óculos que não gosta dos reis magos

Não acredito que Arménio Carlos seja racista. Penso que tentou tornar o seu discurso engraçado e acabou por cair em desgraça

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Enric Vives-Rubio

Dizem que o Natal é todos os dias, é sempre que um homem quiser. Não sei o secretário-geral da CGTP é ateu, ou se acredita mesmo que, um dia, uma estrela guiou três sábios a Belém; mas, no sábado, Arménio Carlos tentou vivificar a lenda natalícia. “Daqui a pouco, vêm aí outra vez os três reis magos, um do Banco Central Europeu, outro da Comissão Europeia e o mais escurinho, o do FMI, e já se fala em mais medidas de austeridade.” Foi exactamente assim que o líder da CGTP classificou o etíope Abebe Selassie, chefe da missão do Fundo Monetário Internacional que, periodicamente, vem a Portugal analisar as contas nacionais – de rei mago… “escurinho”.

Ao invés de se retractar de imediato, Arménio Carlos preferiu a teoria da vitimização, alegando ter dito “coisas muito mais importantes”. Pois disse. Mas já ninguém se lembra e o culpado é o próprio.

Não acredito que Arménio Carlos seja racista. Penso que tentou tornar o seu discurso engraçado e acabou por cair em desgraça. Foi mais um “sound bite” que redundou numa tentativa de apoucamento dirigido a quem não lê a mesma cartilha política. E isso não pode ser aceitável, mesmo sob o argumento de que se tratou de um momento de calor político…

Por isso, da esquerda à direita multiplicaram-se as manifestações de indignação por estas declarações “graves e inqualificáveis”, como disse o deputado do CDS José Lino Ramos, ou de “xenofobia racista”, de acordo com a leitura do dirigente bloquista Pedro Sales. Prefiro colocar a afirmação na categoria da “xenofobia financeira”.

O que me parece mais evidente no meio de toda esta espuma mediática que se gerou em torno da frase de Arménio Carlos é que o dirigente da CGTP acabou por “trair” os professores que no sábado acorreram à manifestação em Lisboa. A força desta frase e as reacções de todos os quadrantes que se lhe seguiram ofuscaram tudo o resto: as ideias que estiveram na origem da manifestação, os 40 mil professores presentes, tudo ficou esquecido. Arménio Carlos deixou que as suas emoções falassem mais alto do que a racionalidade do discurso político e errou duplamente: devia saber que está a falar para o país inteiro e devia saber que todas as suas palavras são esquadrinhadas até à vírgula.

Pensar duas vezes antes de falar é a qualidade que distingue (ou devia distinguir) os líderes dos comissários políticos. No passado sábado, Arménio Carlos esqueceu-se que, ali, não representava o papel de rei mago, nem era apenas mais um senhor de óculos – Arménio Carlos estava em cima daquele palco na qualidade de líder da maior confederação portuguesa de sindicatos, de quem se dispensam piadas de gosto duvidoso e de coloração maldosa.

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