Morar em Díli: a experiência de Cláudia Pereira, uma arquiteta paisagista de 28 anos

A Cláudia mudou-se para Timor-Leste com um objetivo bem claro: contribuir para o desenvolvimento do país. Começou como voluntária mas acabou por se ver envolvida em projetos mais ambiciosos. Diz que gosta de viver por lá

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Todos nós, portugueses, conhecemos Timor-Leste. Não apenas por ter sido uma antiga colónia mas por tudo o que se passou após 1975, com a ocupação indonésia, a resistência, a luta pela independência e todo o sofrimento de um povo que nunca desistiu e acreditou poder um dia ser livre. Foi uma batalha longa que ceifou a vida a muitos timorenses e manteve outros tantos confinados a celas que os privavam da sua liberdade. Mas essa acabaria por chegar, finalmente e definitivamente, em 2002 e com uma grande vontade de construir um país onde fosse possível viver condignamente.

E construir, ou reconstruir um país, não é tarefa fácil e toda a ajuda é bem-vinda. E Timor-Leste tem contado com a ajuda de muitas instituições internacionais. Acima de tudo conta com a solidariedade de pessoas que sentem prazer em ajudar o próximo. Pessoas que se privam do contato familiar, das amizades e, muitas vezes, de algum conforto em prol de algo que consideram maior: a humanidade. Uma dessas pessoas é Cláudia Pereira.

A residir em Timor-Leste desde 2009 e em Díli há um ano, Cláudia Pereira é natural de Vila Pouca de Aguiar e licenciada em Arquitetura Paisagista pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Chegou através de um programa de voluntariado das Escravas do Sagrado Coração de Jesus da Fundación Proacis. Foi o seu primeiro contato com a realidade das organizações não-governamentais para o desenvolvimento (ONGD’s) e cooperação internacional. Tudo porque “é por aí que eu quero encaminhar a minha carreira profissional”, revela.

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Jorge Baldaia escreve quinzenalmente a rubrica Notícias do Lado de Lá

Entretanto, e depois da experiência inicial, tem estado a trabalhar como “consultora em alguns projetos na área do desenvolvimento rural e ambiente. Neste momento estou a trabalhar com a Conservation International em projetos ligados à proteção e conservação da natureza”, específica.

Urbanamente rural mas internacional

Díli é a capital de Timor-Leste mas, à semelhança do país, não tem um número exagerado em termos de população. Dos pouco mais de 1 milhão de timorenses cerca de 170 mil habitam o distrito de Díli. No entanto tem toda a agitação de uma capital. É multicultural. Cosmopolita sem o saber. “Há muita coisa a acontecer. É uma cidade dinâmica e com uma grande comunidade internacional. Por Díli encontra-se de tudo e de todos. Imagina uma cidade que, mesmo pequena, consegue misturar europeus com americanos, africanos e asiáticos”, descreve Cláudia Pereira. E apesar da “aparente confusão é uma cidade segura, de boas gentes e que te permite ter um estilo de vida relaxado”, realça.

Já a adaptação não é tão fácil. Para quem viveu nas áreas rurais “o primeiro contacto com Díli é forte. Além do calor permanente e do aspeto desarrumado e desconstruído há que adaptar-se ao trânsito congestionado”, salienta. Por outro lado, a cidade “não deixa esquecer o passado de guerra, de casas incendiadas, de bairros desalinhados e gritos grafitados nas paredes. Como arquiteta paisagista entristece-me particularmente a pobre rede de espaços públicos, de jardins abandonados e planeamento descurado”, desabafa. “Mas este é apenas o primeiro olhar. Dando-lhe uma oportunidade e é fácil encantarmo-nos com o por de sol na praia ou com a simplicidade das brincadeiras das suas crianças”, acrescenta.

A nível social Cláudia descreve Díli como uma cidade de trânsito, onde “a maioria das pessoas vem por um tempo limitado – aqui os meus melhores amigos acabam por ser os timorenses e as pessoas com quem partilho casa”. E vê a sociedade local como “bastante descaracterizada, bem diferente das comunidades rurais. Eu costumo dizer que Díli não é Timor. Não há muito da identidade real deste povo pelas ruas da capital. Apesar disso, e em geral, considero a sociedade local reservada mas amiga. Não estaria aqui se não fosse pelo acolhimento e grande generosidade deste povo que me recebeu como sendo um dos seus”.

É, igualmente e nas palavras de Cláudia, uma sociedade diferente da portuguesa: “apesar dos quase 500 anos de administração lusitana os timorenses não deixam de ser asiáticos. Isto significa que são mais ponderados e com uma forma mais leve de viver a vida. Aqui, a família, as relações humanas e o sagrado são o centro da sociedade. O espiritual prevalece sobre o material”. No entanto, e curiosamente, “para alguns de nós que crescemos em zonas rurais é interessante constatar semelhanças, como algumas das crenças populares e o rigor protocolar com que recebem uma vista”, constata.

De Portugal admite sentir, em particular, “falta das diferentes estações do ano. Acostumámo-nos a que o clima também ajude a marcar ritmos e fases. Aqui o tempo constrói-se apenas em época seca e de chuvas, tornando-se mais cansativo e monótono”. Um de vários motivos para que tenha em mente regressar, principalmente porque, “estando longe, tornou-se mais claro para mim o que é ser português e o quão especial isso é. Mesmo sabendo que talvez não possa concretizar isso tão cedo tenho a certeza que regressarei”, afirma.

Para já vai aproveitando ao máximo as oportunidades que Díli lhe oferece e o grande desafio e responsabilidade que é poder contribuir, com o seu trabalho e dedicação, para o crescimento saudável de uma nação jovem como Timor-Leste. Temos a certeza que o continuará a fazer com o mesmo empenho e paixão.

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