A ópera em que Walt Disney é o "perfeito americano": misógino, racista e obsessivo

Estreia esta terça-feira em Madrid The Perfect American. Walt Disney, o símbolo da cultura americana - com tudo o que tem de "inimaginável, alarmante e verdadeiramente assustador" -, e Walt Disney um valor maior na arte do século XX. Por Philip Glass.

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Walt Disney com uma prancha com um esboço de Mickey Walt Disney Company/Reuters

Composição de Philip Glass, livro-inspiração de Stephan Jungk, estreia esta terça-feira no Teatro Real de Madrid para em Junho viajar até Londres para a English National Opera: The Perfect American é a versão agreste de Walt Disney, a mais recente composição de Glass, em que o criador de Mickey e companhia é retratado de forma pouco lisonjeira. Disney misógino, obcecado pelo estrelato, anti-semita e mitificador. A polémica sobre esta ópera focada nos últimos dias do criador de um império de sonhos à americana acompanha-a.

Descubra as diferenças: Walt Disney (1901-1966), uma das figuras mais amadas da cultura pop americana, criador de todo um universo de "desenhos animados" de amplo consumo, de revisitações de contos de fadas como Branca de Neve com pinceladas de expressionismo alemão ou de obras aclamadas como Fantasia; Walt Disney, "um homem totalmente misógino - as mulheres podiam colorir mas não criar -, soberbo, megalómano, assaz racista. Tinha um ódio visceral aos sindicatos e ficou chocado com uma greve [dos animadores] nos estúdios em 1941. Trabalhar para ele era como uma academia militar em que ele era o general ou, se quiserem, o ditador", descreve Peter Stephan Jungk ao diário italiano Corriere della Sera.

Jungk é o autor de The Perfect American, livro de 2005 que serviu de base a Glass para a ópera que se estreia. É ele que põe na boca do barítono Christopher Purves, que interpreta Disney na ópera, a frase: "Onde conduzirá toda esta liberdade, a marcha dos negros para Washington, os marginais que fornicam como coelhos?", um comentário da personagem sobre a Great March on Washington, que em Agosto de 1963 levou centenas de milhares à capital americana e na qual Martin Luther King proferiu o seu histórico discurso I Have a Dream.
 
A obra de Jungk ficciona a figura de um cartoonista austríaco na década de 1950 que toma como missão desmascarar Walt Disney, que o despedira. A ópera centra-se nos últimos meses de um Disney doente com cancro pulmonar, obcecado pela criogenia e pelo congelamento do corpo, recordando a sua vida e chamando Branca de Neve à enfermeira. Glass trabalhou com a English National Opera, cujo director artístico, John Berry, a descreve ao Guardian como "um sonho surreal" que os detentores do império Disney tentaram impedir, sem sucesso. Inicialmente, a ópera encomendada pelo Teatro Real de Madrid a Glass estava planeada para a New York City Opera - o projecto não avançou.

Conduzida por Dennis Russel Davies, que é o maestro de grande parte das obras de Glass, e com direcção artística de Phelim McDermott,The Perfect American é a primeira ópera dedicada à figura de Walt Disney e não conta com qualquer Donald, Bela Adormecida ou Tio Patinhas, visto que os Estúdios Disney nada quiseram ter a ver com a produção. O que não quer dizer que sejam ignorados. Há trocadilhos com o nome de algumas das personagens Disney e liberdades poéticas que permitem encontros (ou alusões) do mago da animação com o Presidente Lincoln ou com Andy Warhol. De acordo com o Corriere, Glass, que inicialmente "temia a fábrica Disney", segundo disse ao Guardian o director do Teatro Real, Gerard Mortier, terá enviado o libretto de Rudy Wurlitzer aos estúdios, sem ter tido qualquer resposta. 
 
Glass vê Disney como um símbolo da cultura americana - com tudo o que tem de "inimaginável, alarmante e verdadeiramente assustador" - e simultaneamente como um valor maior na arte do século XX, pela forma como "criou pontes entre a alta cultura e a cultura popular". Compara-o ao compositor Leonard Bernstein. No final de 2013 está prevista a estreia de um filme sobre a produção de Mary Poppins (1964) em que Tom Hanks interpretará Walt Disney, produtor do filme realizado por Robert Stevenson, 47 anos depois da sua morte.
 

Notícia actualizada às 15h
 
 
 
 
 
 

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