Há um lado bom em ter de emigrar

Apesar de não invejar “a obrigação” de ter de procurar uma vida noutro país, não posso deixar de sentir uma inveja “saudável” da sensação que se tem quando se descobre um país, um povo

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masochismtango/Flickr

No Verão de 2005 estava longe de adivinhar como seria a vida em Portugal em 2012/2013. Nesse ano, a minha maior preocupação era passar a Economia. Economia era (e acho que continua a ser) “aquele” cadeirão da faculdade que frequentei, a cadeira que reunia dezenas e dezenas de alunos (senão centenas) em dia de exame, normalmente aos sábados de manhã, com um ar meio ensonado, meio assustado. Nesse ano consegui passar (não na primeira fase) e deram-me a boa nova: podes ir de Erasmus. O lugar estava garantido, mas apenas podia ir se passasse àquela cadeira que era de primeiro ano e que eu já há dois andava a arrastar. Foi uma das melhores noticias que me podiam dar – Madrid, aqui vou eu!

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No Verão de 2005 estava longe de adivinhar como seria a vida em Portugal em 2012/2013. Nesse ano, a minha maior preocupação era passar a Economia. Economia era (e acho que continua a ser) “aquele” cadeirão da faculdade que frequentei, a cadeira que reunia dezenas e dezenas de alunos (senão centenas) em dia de exame, normalmente aos sábados de manhã, com um ar meio ensonado, meio assustado. Nesse ano consegui passar (não na primeira fase) e deram-me a boa nova: podes ir de Erasmus. O lugar estava garantido, mas apenas podia ir se passasse àquela cadeira que era de primeiro ano e que eu já há dois andava a arrastar. Foi uma das melhores noticias que me podiam dar – Madrid, aqui vou eu!

Olhando agora para essa altura e, apesar de não ter tipo qualquer tipo de equivalência (apenas somei créditos), foi um dos melhores anos de aprendizagem que podia ter tido. Nova casa, nova língua, nova cidade, novo país.
Porque descobrir uma nova cultura tem sempre que se lhe diga…

Apesar das parecenças, as línguas (portuguesa e castelhano) realmente não se cruzavam em tudo... Mas lá fui eu, a típica portuguesa, carinhosamente insistindo no meu “portunhol”, como por exemplo, pedindo para trazerem “cincéros” para os amigos fumadores, dizendo que ia sair de casa à “medianoche” ou pedindo para me ajudarem a “prender el cuadro en la pared”. Resultado: metade do tempo que lá estive, requisitava a característica de sinceridade aos senhores do café (cincéro = sincero), tinha a alcunha de La Cenicienta (Cinderela, pois só ela se transforma à meia-noite, os espanhóis referem-se à meia-noite como “las doce”) e queria queimar o quadro na parede (prender = atear fogo). Mas os meus colegas de casa lá iam aguentando (com risos à mistura) e com muita paciência, ajudando-me não só com as palavras, mas também com a noção de solidariedade.

Descobri também o prazer de “viver” a rua, sozinha, a apreciar o movimento constante do centro da cidade ou em convívio, a fazer o "botellón" nas praças de Malasaña ou da Chueca, a admirar o cinema espanhol e conseguir reconhecer a voz do “Tom Hanks” noutras personagens de televisão (os actores mais conhecidos, como o Tom Hanks, têm sempre a mesma pessoa a fazer a dobragem da sua voz mas não deixam de dar a voz a outros atores), a misturar amendoins e milho frito como aperitivo, a evitar o Calimocho e adorar Rum Cola, a aprender a fazer tortilla (pelo menos em teoria) e a fazer do dia dos monos (o dia estipulado pela cidade de Madrid para colocar os móveis velhos na rua) a mais esperada “festa do bairro”. No fundo, saí da minha zona de segurança para descobrir que tal como Portugal é mais do que o país do Bacalhau à Brás e atoalhados (é como somos conhecidos lá), Espanha também tem muito mais para oferecer que o gel de banho e caramelos.

Quando olho para amigos meus que hoje em dia partem, não para Erasmus, mas para tentarem dar rumo à vida profissional (e pessoal), acabo por sentir sempre um pouco de inveja. Eu sei que há grandes diferenças entre as duas situações, que eu ia num plano diferente, o de “descobrir o mundo” e eles carregam o peso da “incerteza” e “do teve que ser”, da “obrigação”.

Independentemente de termos “alguém” a aconselhar-nos a sair ou não, não há hipótese, não há escolha para muita gente porque simplesmente existem poucas oportunidades aqui. Por isso não me espanto ao ver os mais recentes dados do INE, que anunciam, em 2011, um aumento de 85 por cento do número de emigrantes em relação a 2010, sobretudo na faixa etária dos 25-29 anos. Mas, e apesar de não invejar “a obrigação” de ter de procurar uma vida noutro país, não posso deixar de sentir uma inveja “saudável” da sensação que se tem quando se descobre um país, um povo, uma cultura nova. A sensação de percorrer as ruas da nova cidade e pensar que agora este é também o meu cantinho. Por isso, no meio da tristeza de deixar alguns deles partirem, fico contente pela emoção que vão sentir quando começarem o processo da descoberta.

E pensando bem, um amigo fora é sempre uma oportunidade para viajar, conhecer, descobrir, por isso, é dar descanso à tristeza e sonhar com a altura (por favor, crise, vai-te embora!) em que os vamos poder visitar.