“Os Miseráveis”: o filme que tem medo do silêncio

Filme tem um tom de exagero evidenciado pela cantoria constante, um tom que nunca sossega, nem nunca desaparece e, assim, nunca deixa o espectador aproximar-se, sentir intimidade com a história

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O romance “Les Misérables”, do escritor francês Victor Hugo, é uma obra mundialmente conhecida e aclamada ao longo dos séculos. Já foi adaptada de todas as formas possíveis e, também, aplaudida por todas as gerações. Isto porque a história das personagens, as dores das suas vidas, o clamor da revolução, o dilema moral no coração de Jean Valjean e o amor no da sua filha Cosette, estão magnificamente entrelaçados numa obra tocante.

Esta adaptação ao cinema de “Les Misérables”, do realizador Tom Hooper, tem uma colecção de actores de peso que desempenham brilhantemente os seus papéis. Tem as claras vantagens das músicas terem sido gravadas ao vivo, ou seja, os actores estão a cantar e a interpretar simultaneamente criando uma dinâmica que nos deixa boquiabertos.

Mas, infelizmente, todos os momentos bons que sobrevivem neste filme são crédito de Victor Hugo e de uma história solidamente construída.

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Leonor Capela, finalista do curso de Ciências da Comunicação, Universidade do Porto

Com a receita para o sucesso a um fácil alcance, porque é que este filme, simplesmente, não chega lá?

Manohla Dargis, do The New York Times, fala de “um tom de exagero que quase nunca sossega” e Jorge Mourinha, do Ipsilon, diz “tem tudo para ser um sucesso, mas é um equívoco”. Estas duas afirmações combinam os factores que fazem com que mesmo aqueles que, no final da sessão, gostaram do filme sintam que falta qualquer coisa.

“Les Misérables” tem um tom de exagero evidenciado pela cantoria constante, um tom que nunca sossega, nem nunca desaparece e, assim, nunca deixa o espectador aproximar-se, sentir intimidade com a história. Sentir a dor. Estamos permanentemente colados à cadeira, ou num sentimento de impaciência com a música ou num sentimento de enervamento por essa falta de intimidade. Sendo assim, mesmo aqueles que acham que gostaram, saem do cinema cansados e sem aquele sentimento arrebatador de que carregamos as dores das personagens com que partilhamos 2 horas e 38 minutos.

A música é, sim, uma maneira inigualável de transmitir sentimentos. Esta ferramenta combinada com as representações fantásticas de Anne Hathaway, Hugh Jackman e Eddie Redmayne nos seus números principais, não podia falhar. Mas falha. Mais uma vez, como Mourinha diz: “Um equívoco”. Eu gostaria de ter ouvido silêncio, o som dos pés a arrastar, os dedos nas cadeiras, o vazio e, então, o romper da voz de Marius (o destroçado Redmayne que chora a morte dos seus companheiros de revolução) com “Empty chairs at empty tables”.

Mas a música é só mais um elemento que vai perdendo impacto e importância ao longo desta longa, longa metragem.

A actriz Amanda Seyfried, que interpreta a personagem Cosette na fase jovem adulta, diz em entrevista: “Como actores, quando estamos a fazer uma cena de amor gostaríamos muitas vezes que houvesse música para, simplesmente, nos dar aquele impulso final (…) mas aqui, nós ouvimos o piano, nós estamos na música…quase nos faz chorar.” Mas, no final de quase três horas, saímos da sala de cinema sem chorar e sem sentir nenhuma faísca. O filme não dá o clique.

Talvez este salto para a Sétima Arte devesse ter sido pensado de outra forma, numa consciência realista de que nem tudo o que corre bem num formato corre bem noutro completamente diferente.

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