Da estranheza de ter o seu nome na parede de uma instituição

O neurocientista português António Damásio demorou muito a decidir ser o patrono de um liceu. Mas aceitou e veio a Lisboa inaugurar a placa com o seu nome.

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António Damásio junto à placa que o consagra como patrono de uma escola de Lisboa, acompanhado pelo ministro Nuno Crato Enric Vives-Rubio

Esta quarta-feira, uma relativamente anónima escola secundária do bairro dos Olivais, em Lisboa, foi palco de um happening social. Quem pelas 10h passasse por aquele estabelecimento público de ensino não podia deixar de reparar nos carros de polícia e nos grupos de pessoas elegantemente vestidas à porta. Dentro da escola, a cena também não era a de todos os dias, com alunos e professores a misturarem-se com figuras públicas, políticos e muitos outros convidados.

De repente, as atenções viraram-se para a entrada do átrio. Após uns minutos em que os recém-chegados pousaram e falaram para os microfones e as câmaras fotográficas e de televisão, que os seguiam daqui para ali, descerrou-se uma placa onde estava inscrito o nome do patrono da escola. Que passou a chamar-se, oficialmente, Escola Secundária António Damásio. Aplausos. 
Um dos aspectos invulgares desta cerimónia talvez tenha sido o facto de a pessoa no centro das atenções não ser um “famoso” do costume – estrela dos ecrãs, futebolista ou cantor rock –, mas um neurocientista. Um investigador português, radicado há anos nos EUA, que se tornou mundialmente conhecido pelos seus trabalhos e os seus livros sobre as emoções, a consciência, a apreensão e a compreensão do mundo pelo cérebro humano.
 
Mas mais invulgar ainda foi o facto de esta homenagem não ter sido feita a título póstumo, como costuma ser o caso. O singelo da situação foi, aliás, evocado pelo próprio Damásio na sua breve intervenção durante a sessão solene que se seguiu no ginásio da escola (sem dúvida o único espaço capaz de acolher centenas de pessoas) e na qual participaram António Costa, presidente da Câmara de Lisboa, e Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência.
 
“Não é fácil nem natural ver o seu nome numa instituição”, confessou logo o cientista. “Levei muito tempo a aceitar a ideia e o convite para estar aqui. Há qualquer coisa de estranho nesta situação.” Os políticos como Mário Soares ou os milionários como Bill Gates, salientou, têm direito a fundações, mas no caso dos cientistas é muito raro. O norte-americano Jonas Salk, “pai” da vacina contra a poliomielite, foi uma dessas excepções. O Instituto Salk, na Califórnia, foi fundado “quando ele ainda não tinha 50 anos”, disse Damásio. “Mas passou o resto da vida a pagar por isso, porque muitos colegas não lhe perdoaram ter aceitado.”
 
A seguir, contou a história do seu primeiro contacto com a escola que agora tem o seu nome – para mostrar, explicou, que leva “imensamente a sério o facto de ser patrono”, mas que ele próprio não se leva assim tão a sério. “Quando decidi aceitar, telefonei para a escola.” Ouviu uma voz feminina a dizer: “Escola Secundária António Damásio” (já era esse o nome oficioso). A telefonista perguntou quem devia anunciar e ele disse “António Damásio”. Longo silêncio. “Percebi que eu devia estar morto!”, disse Damásio (risos na sala). Voltou a identificar-se. Mais uma pausa e um “Meu Deus!” – e a telefonista transferiu a chamada para o director.
 
No fim, Damásio também evocou temas que estão no centro do seu pensamento científico e filosófico: a importância da educação em todas as áreas (ciências, artes, humanidades); essa forma subtil da violência chamada pobreza, cujo combate passa pela escola; e ainda a sua visão de uma “neurobiologia da educação”.
 
 
 
 

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