De quem são os resultados escolares?

A publicitação de resultados escolares, quer os obtidos por estudos internacionais quer os resultantes de provas nacionais, levanta sempre a questão das “causas” e dos “responsáveis” que justificam a melhoria ou a degradação dos indicadores revelados.

Os debates públicos que se lhes seguem raramente conseguem fugir ao “julgamento” dos culpados: ora são os professores, ora os políticos e as políticas, por vezes invocam-se as famílias, noutros casos o atraso do país, mas sempre num confronto de condenações, absolvições ou enaltecimentos.

O discurso da culpa ou da glória nunca é bom conselheiro. Por isso proponho ao leitor uma tentativa de análise desapaixonada.

Em primeiro lugar, os resultados escolares são dos alunos. Da sua maior ou menor preparação dependem os resultados. E quem os prepara? A família e a escola, privilegiadamente, não sendo de menosprezar o papel dos próximos, da comunidade onde se integra, mas também da organização do sistema de ensino e das políticas educativas.

De há muito que a análise sociológica evidenciou o papel da família na capacitação dos alunos, especialmente do seu nível cultural e educacional. Mais do que a riqueza ou o rendimento, é o nível de escolarização dos pais que mais influencia o desempenho dos alunos. Porém, a associação estatística entre as duas variáveis não pode ser entendida como relação determinística. A família faz a diferença, mas a escola continua a ser decisiva.

Em segundo lugar, os resultados são das escolas e dos professores desses alunos. Bons ambientes escolares e bons professores proporcionam boas aprendizagens e bons resultados. O inverso também é, infelizmente, verdade. O problema está em que é mais fácil identificar um bom ou um mau aluno do que uma boa ou uma má escola, um bom ou um mau professor.

A razão desta dificuldade tem em grande parte a ver com a forma como o discurso público trata essas duas realidades. No que diz respeito às escolas o debate continua polarizado entre o público e o privado, como se fosse o modelo de gestão ou o regime de propriedade que influenciam os resultados escolares. É o combate ideológico que prevalece e que ilude o fundamental: há boas e má escolas, independentemente de serem públicas ou privadas. Quanto aos professores, a conclusão é a mesma, ainda que o discurso público dominante se tenha habituado a tratar estes profissionais como um corpo homogéneo, insusceptível de qualquer distinção: ora heróis, ora vilões.

Restam as políticas e os políticos. Ninguém de bom senso poderá ignorar que há políticas que propiciam melhores condições de funcionamento do sistema educativo e das escolas, outras que poderão constituir factor de instabilidade, de falta de confiança, de desmotivação ou mesmo de descrédito. Só que as “boas políticas”, na maior parte dos casos, não produzem resultados imediatos, especialmente em educação, enquanto as “más políticas” tornam-se bem mais visíveis nos efeitos negativos que produzem. Por isso os políticos e as políticas são geralmente recordados pelo que produzem de “mal” e raramente destacados pelo que contribuem para a qualificação do sistema de ensino. As “boas políticas” tendem a ser reivindicadas na sua paternidade por todos, por mais estranhos que tenham sido à sua aplicação; as “más políticas” ninguém ousa lembrar da sua responsabilidade.

Vamos agora ao objecto final deste artigo. Foram divulgados recentemente dois estudos internacionais sobre os resultados dos alunos portugueses em Matemática e Ciências (TIMSS – Trends in International Mathematics and Science Study) e Leitura (PIRLS – Progress in International Reading Literacy Study), para um nível correspondente ao 4º ano de escolaridade. Quer no primeiro, quer no segundo estudo, a comparação com os resultados de 1995 são incontestáveis: os alunos portugueses foram os que mais progrediram no conjunto de um pouco mais de quatro dezenas de países.

Estes resultados vêm confirmar outros já registados pela OCDE (PISA – Programme for International Student Assessment) em 2009, tendo por objecto os alunos de 15 anos.

Nestes três estudos a melhoria registada pelos alunos portugueses nos últimos 15 anos é incontestável. Mas há uma outra conclusão a retirar: atendendo ao nível de escolarização média do país e do grupo etário correspondente à geração dos pais, os resultados obtidos são melhores do que seria estatisticamente expectável. Ou seja, a média dos resultados está acima do valor esperado, considerando as condições sociais e culturais das famílias em comparação com os restantes países. Como se explicam estes resultados?

Começando pelos alunos, poderemos dizer que o nível médio de escolarização dos pais aumentou de forma significativa nestes últimos 15 anos. Muito provavelmente esses alunos trabalham melhor e aprendem mais e melhor, não sendo garantido que trabalhem mais.

E os professores, serão melhores que os professores de há 15 anos? Nada nos permite responder sim ou não. Mas há algo que importa não esquecer: hoje a organização e a cultura escolares começam a ser diferentes das dominantes há 15 anos. Hoje as escolas portuguesas já não vivem só de boas intenções e de teorias românticas, olham para os resultados com outra atenção, estabelecem objectivos e metas de aprendizagem, adoptam estratégias de combate ao insucesso e abandono escolares, organizam os seus recursos para promover o sucesso e mobilizam os diferentes actores, especialmente o seu corpo docente, para ter resultados cada vez melhores. Em síntese e por analogia com o desporto, nas  boas equipas até os jogadores mais fracos brilham mais intensamente.

David Justino foi ministro da Educação
 

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