Antes da fotografia

Uma das pinturas de que se reproduz aqui uma pequena imagem é um estudo do pintor português Henrique Pousão (1859-1888), pertencente ao Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, que tem uma excelente colecção de obras do artista. Representa uma escada rústica, fragmentos de uma porta, paredes de tijolo e madeira. Bem entendido, não se trata de um quadro acabado mas de um estudo, a que nós damos mais valor hoje em dia porque acreditamos pressentir uma sensibilidade modernista, expressa no enquadramento fragmentário, na pouca importância do motivo, no facto de o quadro não conter elementos narrativos (personagens, por exemplo). Muitos historiadores acreditam que estas características, comuns a muitas pinturas do final do século XIX no Ocidente, se devem à influência crescente da fotografia. Explicar-se-iam assim inúmeros quadros de nomes famosos como Edgar Degas ou Gustave Caillebotte que mostram cenas sem horizonte, cortadas por objectos interpostos, vistas de cima para baixo, como se tivessem sido executadas a partir de fotografias. Todavia, esta teoria apresenta alguns problemas. O primeiro é que a fotografia do século XIX, mesmo aquela cuja simplificação de processos levou a que merecesse o qualificativo de instantânea, favorecia enquadramentos e motivos tradicionais... ou seja, imitava a pintura. Temos aqui portanto, aparentemente, um problema de ovo e galinha: havia pintores que imitavam fotografias ou eram os fotógrafos que imitavam a pintura? Provavelmente sucediam as duas coisas ao mesmo tempo mas recuso-me a acreditar que uma estética do fragmento e da dissonância, caracteristicamente modernista, tenha tido origem na fotografia. Repare o leitor na segunda imagem aqui reproduzida: é um quadro do pintor galês Thomas Jones, pintado em Itália em 1780, um século antes do estudo de Pousão. Há vários quadros de Jones (quadros, não estudos) que apresentam as características "fragmentárias" que é costume identificar na pintura mais tardia. Ora, no tempo de Jones, a fotografia não existia ainda. Mas existiria já, talvez, uma sensibilidade fotográfica à qual só faltava a tecnologia.

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