“Somos todos um pouco iludidos em relação a nós e ao futuro”

As nossas expectativas em relação ao futuro são mais positivas do que a realidade confirma: chama-se a isto preconceito optimista. Entrevista a Tali Sharot sobre optimismo, último bloco da série Conversas de Fim de Ano.

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A britânica Tali Sharot, professora no departamento de Ciências Cerebrais da University College London, e directora do laboratório de estudo Affective Brain, diz que temos um preconceito optimista – esperamos o melhor para nós, mesmo que a realidade confirme o contrário.

Interessada na forma como a motivação e as emoções influenciam as nossas expectativas sobre o futuro, Sharot escreveu o livro The Optimism Bias – why are we wired to look at the bright side. Soa a psicologia positiva, mas a verdade é que Sharot diz que não é fácil mudar o preconceito optimista.

Depois de descobrir vários estudos sobre o tema, dos anos 1980, Sharot “queria ver se o mecanismo responsável pela forma como as emoções mudam a memória era o mesmo que o responsável pela forma como as emoções mudam a imaginação do futuro.” Era.

Como define preconceito optimista?
O optimismo é esperar acontecimentos positivos no futuro, o preconceito optimista é a diferença entre as expectativas e os resultados. O preconceito significa que se sobrevaloriza a ideia de acontecimentos positivos e subestima a probabilidade de acontecimentos negativos. Até pode ser que se tenham expectativas negativas – imaginemos que estamos para perder dinheiro na bolsa, se perdermos mais dinheiro do que estamos à espera continua a ser um preconceito optimista uma vez que, mesmo estando à espera de um acontecimento negativo, ele acaba por ser ainda mais negativo.

O optimismo está mais ligado à razão ou à emoção?
Vem da emoção e da motivação para que as coisas corram bem, mas depois muda mais para o lado racional – é uma interacção entre o sistema emocional e cognitivo onde o sistema emocional leva a mudanças. O optimismo pode ser negativo, porque subestimamos o risco e não tomamos precauções – podemos não ir ao médico, etc – mas também motiva a trabalhar se pensarmos que podemos conseguir as coisas. Tem também um efeito positivo na saúde mental: as pessoas deprimidas não têm este preconceito optimista.

Como define a diferença entre optimismo, pensamento positivo, bem-estar?
Bem-estar é felicidade e satisfação e está ligado ao optimismo, mas a felicidade e optimismo não são a mesma coisa: podemos estar felizes num momento e não ter expectativas positivas quanto ao futuro ou não estarmos bem no momento mas esperar o melhor. O pensamento positivo faz-nos pensar positivamente no momento, optimismo não força a pensar que as coisas estão a correr bem, está ligado à projecção.

Cita uma pesquisa que mostra que as pessoas com expectativas mais altas são as que ficarão melhor, seja qual for o resultado porque o interpretam como algo externo. Qual é a relação entre optimismo e auto-confiança?
Os dois estão relacionados. O optimismo é sobre o futuro, a auto-confiança é sobre nós. Nos dois casos tendemos a sobrestimar o positivo e a subestimar o negativo.

Os mecanismos são os mesmos para mantermos esta ilusão porque valorizamos a informação positiva que vem do ambiente. Se alguém disser que você é muito esperto, vai ter isso em atenção; se alguém disser que não é, vai achar que quem lhe disse também não é. E o mesmo em relação ao futuro: se alguém disser que é provável ter um aumento salarial, fica com essa expectativa; se alguém disser que duvida que tenha um aumento, fica a pensar que ainda é possível.

Tendemos a descartar informação negativa sobre como somos e sobre o nosso futuro. Se achar que tem algumas capacidades – é esperto, social, atraente, acha que tem poder para mudar o futuro - o futuro vai parecer melhor.

Em relação à memória, como é que se explica que sejam mais facilmente lembrados os acontecimentos negativos?
Não nos lembramos necessariamente de acontecimentos positivos ou negativos – o que interessa para a memória é a excitação, seja positiva ou negativa. Quando nos acontece alguma coisa má – o 11 de Setembro, por exemplo – as pessoas encontram formas para que isso não lhes aconteça de novo e portanto são optimistas em relação ao futuro. Mas quando se diz: a probabilidade de ter cancro é de 40% vai lembrar-se perfeitamente, não vai é achar que está relacionado consigo, ou seja, que faz parte desses 40%.

O preconceito optimista quer dizer que somos iludidos?
Somos todos um pouco iludidos em relação a nós e ao futuro. Às vezes, a surpresa até é para o melhor. Mas somos iludidos sobre o controlo que temos sobre as nossas vidas, e sobre o ambiente. Isto é bom, muito adaptável, mantem-nos saudáveis fisica e mentalmente e faz-nos andar para a frente. O preconceito optimista não é a única maneira de nos iludirmos: ver também implica ilusão, sabemos que não vemos o mundo exactamente como ele é, não vemos os pontos cegos que sabemos existirem. O cérebro cria as ilusões e se víssemos tudo sem as ilusões a vida ia ser muito difícil.

Devemos trabalhar para ser mais optimistas?
Acho que já somos suficientemente optimistas. 80% da população tem um preconceito optimista moderado, e depois temos pessoas que não têm o preconceito. Os que têm depressão, em que um dos sintomas é o pessimismo, deveriam aumentar o optimismo, mas a maioria tem uma quantidade adequada.

Saber que temos um preconceito optimista muda os nossos níveis de optimismo?
Não me parece. É como sabermos que não conseguimos ver os pontos cegos, como sabermos que temos ilusões visuais – só porque sabemos que existe eles não desaparecem.

Pensando em 2013, será melhor se tiver expectativas positivas?
Sim. Mas as expectativas não se mudam facilmente. Há estudos que dizem que o preconceito optimista tem uma componente genética, mas há ainda o nosso ambiente, a forma como crescemos, e alguns estudos mostram que se pode aumentar o optimismo – fazer planos específicos, por exemplo, porque se consegue visualizar o resultado.    

 

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