Arqueólogos investigam naufrágio e querem fazer dele um museu em Tróia

Restos de um veleiro de madeira estão a seis metros de profundidade, em bom estado de conservação. Mas a história deste navio ainda tem pontas soltas

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Imagem do navio naufragado durante mergulho DR

Terá sido um dos últimos navios à vela portugueses em funções, provavelmente do final do século XIX, e antes de naufragar ao largo da península de Tróia, no distrito de Setúbal, deveria transportar sal ou ser usado para a pesca.

Ainda não há certezas sobre a história deste barco, baptizado de Tróia 1, mas uma equipa de investigadores está perto de desvendar o mistério.

Um grupo de arqueólogos, conservadores, biólogos, geólogos e mergulhadores está a analisar os “restos mortais” deste navio que jaz no mar a seis metros de profundidade, encontrado no ano passado por dois pescadores.

Após cinco mergulhos e alguns meses de pesquisas, os investigadores já têm algumas pistas: o Tróia 1 aparenta ser um lugre – um veleiro, com velas latinas quadrangulares, construído em madeira com cavilhas em bronze. Teria 30 a 35 metros de comprimento, com capacidade para uma tripulação de 20 a 40 pessoas.

“É um tipo de barco robusto, de casco alto, que pode ter quatro ou cinco mastros, e é polivalente – podia servir para a pesca ou para transporte de bens. O mais conhecido do género é o Creoula, da Marinha Portuguesa”, explica Adolfo Miguel Martins, arqueólogo e director do projecto. A investigação, iniciada em Maio, está a ser feita no âmbito de uma pós-graduação em Arqueologia Subaquática e de um mestrado em História, Arqueologia e Património, do Instituto Politécnico de Tomar e da Universidade Autónoma de Lisboa.

Dispersos no fundo do mar, numa zona de areia já fora do estuário do Sado, virados para Sul, os restos do navio dividem-se em quatro núcleos: estrutura do barco, com duas âncoras e a amarra; uma âncora e o cepo em madeira; um grupo de cavernas; e por último a quilha (parte inferior do casco, onde se fixam as peças curvas do barco).

“Definimos um ponto central. A partir daí, o núcleo a Sul está a 80 metros, o núcleo a Norte está a 40 metros e o que está a Este dista 50 metros”, explica o arqueólogo. Da análise feita pelos conservadores conclui-se que grande parte da estrutura está bem preservada. “Por ser de madeira e por ser periodicamente coberto de areia, devido à hidrodinâmica do local, se se mantiverem as condições actuais teremos o barco por muitos anos”, espera Adolfo Miguel Martins. Entre as peças encontradas está, por exemplo, uma chaleira de ferro (ou o que resta dela), uma placa de chumbo e sete âncoras.

Muitos navios naufragados
A cada mergulho aumentam as dúvidas sobre a história do naufrágio. “No arquivo municipal de Setúbal encontrámos documentos que remetem para naufrágios de navios de transporte de sal e de pesca, naquele período – final do século XIX ou mesmo início do século XX – e naquele local”, explica o coordenador do projecto. “Na zona de Tróia há muitos navios naufragados. Este é o Tróia 1 mas certamente haverá mais”, acrescenta.

O local onde o navio afundou é uma zona de abrigo natural para os navios. “A costa deixa de ser direita e os barcos que se aproximam têm de se desviar para Oeste para entrar na barra de Setúbal. Se não houver marcos ou referências visuais, podem fazer uma aproximação errada e naufragar”, explica o investigador. Terá sido o que aconteceu com o Tróia 1? “O navio parece ter encalhado em dia de mar violento, ter batido na areia e com a corrente forte da zona acabou por naufragar.” Mas como ainda não há certezas, os mergulhos vão continuar até Março.

Assim que for resolvido o enigma, o próximo passo é criar um museu e fazer do naufrágio um ponto de mergulho recreativo. “Queremos definir um circuito subaquático, como se fosse um museu. É como entrar numa sala, que neste caso é o mar, e depois ir visitando os vários núcleos, onde estarão placas identificativas”, explica Adolfo Miguel Martins, que destaca ainda a riqueza do local em termos de fauna marinha.

“É um mergulho absolutamente deslumbrante”, sublinha. Em dias de boa visibilidade, o naufrágio é mesmo visível à tona da água, garante o arqueólogo, referindo-se ao “enorme potencial turístico” do local, além do interesse para investigação científica. Devido à baixa profundidade, “será um local ideal para fazer baptismos de mergulho junto aos vestígios”, garante.

Segundo o coordenador, o projecto, que inclui estagiários dos dois estabelecimentos de ensino superior, está a ser feito sem qualquer tipo de financiamento, com recurso apenas ao apoio logístico de algumas entidades e empresas locais.

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