Um museu com vinte e cinco anos de marionetas no Porto

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Museu em Instalação é uma viagem ao património físico do TMP Rui Farinha

Não é ainda o definitivo Museu das Marionetas do Porto com que sonhou Seara Cardoso. É uma instalação que o antecede

Começamos a descer a Rua das Flores, uma das artérias mais notáveis do centro histórico portuense, e as montras de meia dúzia de lojas mostram bonecos que não são para vender: um burrito de madeira junto a garrafas de vinho do Porto na Mercearia das Flores; um rapazito junto aos livros do alfarrabista Chaminé da Mota...

São as personagens de Joanica-Puff (1995), uma das primeiras criações de João Paulo Seara Cardoso (1956-2010) e do seu Teatro de Marionetas do Porto (TMP), que nos indicam o caminho para o novo espaço da companhia, ao fundo da rua.

Trata-se do Museu das Marionetas do Porto, um projecto que Seara Cardoso imaginou há mais de uma década, e que não conseguiu ver concretizado em vida. Não é ainda este fim-de-semana que o museu é inaugurado no seu figurino definitivo - abriu ontem apenas em modo de Museu em instalação, e Isabel Barros, viúva e continuadora do trabalho de Seara Cardoso na direcção do TMP, diz que este momento é já, de qualquer modo, "a concretização de um sonho e de uma grande aventura". "Achámos que fazia mais sentido abrirmos agora com esta instalação, para depois darmos mais espaço às marionetas", acrescenta Isabel Barros guiando o PÚBLICO numa visita ao novo espaço.

A abertura do Museu das Marionetas do Porto está agendada para 3 de Fevereiro, dia que assinala o nascimento de Seara Cardoso. E 2013 marcará também os 25 anos do TMP - o primeiro espectáculo estreado sob a sua chancela foi Capuchinho Vermelho, em 1988, numa altura em que o marionetista alternava esta sua criação com o Teatro Dom Roberto, o espectáculo de fantoches populares portugueses que lhe tinham sido ensinados pelo mestre António Dias.

Museu em instalação é, agora, uma primeira visita guiada ao património físico (e ao imaginário que ele transporta) da companhia. Logo no piso de entrada (dos quatros que constituem este edifício) somos recebidos pelas bonecas nuas e o olho gigante do espectáculo O Princípio do Prazer (2003). Aí surgirá também uma banca de venda de materiais (DVD com gravações de espectáculos, programas, cartazes...) do TMP.

Sobe-se um primeiro lanço de escadas e estamos no espaço dedicado às criações mais recentes do TMP: Quem Sou Eu e O Senhor Hic.... O primeiro é um trabalho feito com crianças e apresentado no Teatro de Belomonte, no âmbito do festival Manobras promovido pela autarquia portuense. "Vamos oferecer algumas destas marionetas às crianças que as fizeram; isto é importante para elas", diz Isabel Barros. O Senhor Hic..., uma encenação sua a partir de um texto de Seara Cardoso, com marionetas de Júlio Vanzeler, ainda ontem foi levada a Bragança.

"Estamos permanentemente a fazer digressões e a reapresentar os nossos espectáculos, que constantemente nos são requisitados", afirma, realçando a importância que esse facto tem para a sobrevivência da companhia. "Tentamos ser o mais ágeis possível para pôr em cena peças que são muito carismáticas e representam muito bem o que é o TMP e o trabalho do João Paulo", diz a directora-encenadora, enumerando algumas das produções mais requisitadas: Frágil (2011), Wonderland (2009), Cabaret Molotov (2007), História da Praia Grande (2003)... E Nada ou o Silêncio de Beckett (1999), que Barros revela ser a peça que maior sucesso tem conquistado, "sobretudo a nível internacional". "Estivemos este ano na Polónia e recebemos um prémio pela peça de Beckett, que continua a ser muito pedida", nota.

No mesmo piso, uma montra será dedicada em exclusivo ao aparato cénico do inesquecível Miséria (1991). "É o único que nunca mais repusemos, pois era um espectáculo do João Paulo Seara Cardoso..."

Mais um lanço de escadas até ao 2.º piso, e é aqui que o visitante mais facilmente (re)conhecerá a história do TMP. Começa com a galeria dos homens magritteanos de fato preto e chapéu, que fizeram Cinderela (2009). Mas é na série de figuras da vida política portuense e nacional do início da década de 1990 - algumas delas ainda no activo - que as atenções se prendem: os autarcas Fernando Gomes, Nuno Cardoso e Gomes Fernandes, ao lado de Cavaco Silva e Pedro Santana Lopes, de Filipe La Féria e do icónico arrumador Tozé Brilhantina ("não me batas na cabeça que eu estudo de noite"). São os protagonistas de Vai no Batalha (1993), talvez até hoje ainda o maior sucesso público da história do TMP. E tantos outros bonecos, muitos quase de tamanho humano, todos eles construídos por João Vaz de Carvalho, corresponsável, com Seara Cardoso, da imagem pública do TMP.

Ainda à espera de saber que condições vai ter a companhia para o ano de 2013 - "Agora só em Março é que vamos saber que apoio é que a DGArtes nos reserva", diz Isabel Barros -, o TMP vai começar o ano, até esse mês, com a reposição de vários dos seus espectáculos. E há dois projectos em linha de espera: Pelos Cabelos, mais um espectáculo para crianças, e Silenciosamente voam os pássaros, uma criação para adultos. "Tem a ver com a vida e a morte, a realidade e a ausência, com tudo isso", explica Isabel Barros, sem saber ainda se o TMP vai ter condições para concretizar estes projectos.

Mas, até lá, há um museu em construção.

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