Barreto Xavier: “As artes e os movimentos contemporâneos são património do futuro”

O secretário de Estado diz que o decreto regulamentar das taxas da Lei do Cinema está “para breve", que a Lei do Mecenato só pode ser alterada em 2014 e que a gestão do património por privados deve ser analisada "caso a caso".

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Barreto Xavier pediu a revisão da legislação no ano passado Miguel Manso

O secretário de Estado da Cultura afirmou esta quinta-feira à noite, em Lisboa, que “é necessário articular as necessidades de contenção da despesa pública com um crescimento inteligente e sustentável”. Jorge Barreto Xavier participou numa sessão promovida pela Sedes - Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, e definiu cinco conceitos que “orientarão a área da Cultura” no próximo ano: “pluralidade, coesão, identidade, resiliência e crescimento”.

Barreto Xavier, que há cerca de dois meses substituiu Francisco José Viegas na secretaria de Estado da Cultura (SEC) – e que na última terça-feira não foi reconhecido pelos manifestantes que quiseram protestar contra a política governativa aproveitando a inauguração do Museu Machado de Castro, em Coimbra –, defendeu que “só as condições culturais permitem à economia e à formação profissional a consolidação da cidadania, que decorre de uma literacia integral”. Neste sentido, disse que “é função do Estado garantir a pluralidade de manifestação cultural”, e que “não pode exercer uma política de gosto, mas deve exercer políticas públicas da Cultura” que promovam o acesso a ela “enquanto bem social básico”. Por outro lado, defendeu “a coesão” e a valorização pela sociedade portuguesa das “suas competências patrimoniais” e da criação contemporânea. “Esta valorização é estratégica para a competitividade e o emprego, mas também para a inclusão”, argumentou.

A “pluralidade” e a “coesão”, entendidas por Barreto Xavier como “objectivos estratégicos”, conduzirão “a um sentido de identidade vivido e não simplesmente enunciado”. Neste sentido, as instituições culturais devem ser “aglutinadoras de valores intangíveis”. Para o secretário de Estado da Cultura, “as artes e os movimentos contemporâneos, património do futuro, são elementos decisivos para a vivência da identidade”.

Outra linha de orientação da sua política à frente da SEC é a “resiliência”, “um conceito originário da física, [que] se refere à resistência ao stress e à capacidade de retorno ao equilíbrio”. Barreto Xavier explicou que “a resiliência implica uma atitude interior de resistência e resposta à adversidade”, o que considerou ser “decisivo no tempo em que vivemos”.

“Para lá do protesto primário”, disse o governante, há que procurar, “no âmbito da realidade europeia e portuguesa, concentrar energia no desafio da dificuldade e na preparação do crescimento”. Para Barreto Xavier, “foi um erro” identificar crescimento com crescimento económico, um paradigma que terá de mudar.

O secretário de Estado da Cultura defendeu, numa intervenção de cerca de 20 minutos, que a Cultura é uma oportunidade de afirmação da cidadania. “A Cultura é condição de liberdade e é preciso pensar e agir para que a liberdade seja, de facto, elemento constitutivo de cidadania”.

Falou ainda da necessidade de se fazer uma “avaliação mais completa” de custos e benefícios na área cultural, a exemplo do que já aconteceu noutras matérias, como a Saúde, o Ambiente e a Educação. “Tendo em conta as diferentes vertentes de valor que a Cultura engloba, teremos de conceber uma infra-estrutura de avaliação de custos e benefícios mais completa do que a actualmente usada”, disse o governante, justificando que só assim se pode “avaliar a sua sustentabilidade, com maior verdade económica e social”.

Para o titular da pasta, “a Cultura tem um valor intrínseco, autónomo do seu valor económico, e só a salvaguarda e promoção desse valor confere possibilidades de desenvolvimento em termos de bem económico”. Neste sentido, defendeu uma avaliação que “transcenda a métrica contabilística imediata, respeitando sempre os valores da sustentabilidade, da responsabilidade e do rigor financeiro”.

Na parte reservada às perguntas dos cerca de 30 assistentes da sua intervenção, Barreto Xavier reconheceu que “o momento é de dificuldade” para a Cultura, mas mostrou-se confiante em estabelecer “pontes” com outras áreas da governação para ultrapassar o orçamento de 189,7 milhões de euros para 2013. E citou como sectores preferenciais os Negócios Estrangeiros, a Educação e o Turismo.

O secretário de Estado defendeu “um melhor desempenho das políticas públicas da Cultura”, e garantiu que “está a trabalhar nesse sentido”, apesar de que só gosta de “falar com resultados obtidos”. “Todos temos o direito de saber como se gasta o nosso dinheiro”, acrescentou.

O ex-ministro das Finanças social-democrata João Salgueiro, um dos presentes na sala da Rua de Duque de Palmela, em Lisboa, questionou Barreto Xavier sobre várias matérias, entre as quais a situação do novo Museu dos Coches. E desafiou-o também a apostar numa política de “internacionalização”, nomeadamente com a constituição de um centro criativo internacional que possa vir a atrair estrangeiros e parcerias internacionais com países como o Brasil, China, Japão e a União Europeia. Já sobre a Lei de Mecenato, Salgueiro qualificou-a de “mesquinhez fiscal”.

O secretário de Estado disse que se tinha reunido nesse mesmo dia com o presidente da Câmara de Lisboa, mas nada revelou sobre o encontro. Acrescentou, contudo, em jeito de resposta ao ex-ministro social-democrata, que está a dialogar com a ministra da Cultura do Brasil. E que os 470 anos da chegada dos portugueses ao Japão e a celebração da amizade Portugal-China, efemérides que se assinalarão em 2013, irão permitir esse contacto com os respectivos governos. Todavia, Barreto Xavier lembrou que, nas últimas décadas, a área da Cultura “afirmou-se de forma mais internacional que outras”.

Sobre o mecenato, lembrou que, ao abrigo do programa de assistência económica, “Portugal só pode mexer na lei em Julho de 2014”.

O secretário de Estado falou também da Lei do Cinema, referindo que o decreto regulamentar das taxas está “para breve”, e só depois sairá o decreto sobre distribuição, estando actualmente a fazer “audições suplementares” a agentes do sector. Já sobre o património arquitectónico nacional, Jorge Barreto Xavier defendeu que a entrega a privados para gestão “deve ser vista caso a caso”, mas que “não há nenhum anátema” quanto à intervenção dos privados nesta matéria.

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