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Plataforma de "vice" do PSD quer mais democracia e ainda menos Estado

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Plataforma quer introduzir mar nos currículos escolares com a criação de Centros de Mar RUI GAUDÊNCIO

Quando Jorge Moreira da Silva, hoje vice-presidente do PSD, leu o memorando da troika, era então apenas deputado, sentiu que era "curto" e era preciso uma visão pós-troika

Aprofundar a democracia, através de uma cidadania activa e que combata a corrupção, e uma assumida abertura à liberalização do modelo de Estado social em vigor em Portugal são os dois grandes eixos em que se move o relatório da Plataforma para o Crescimento Sustentável, apresentado ontem em Lisboa.

O grupo, que se constituiu em 2011 após a assinatura do memorando da troika, é uma associação independente que junta pessoas situadas no espectro da direita do Parlamento. A ideia de constituir a plataforma nasceu por iniciativa pessoal de Jorge Moreira da Silva, então deputado do PSD, depois de ler o memorando de entendimento que o Governo assinara com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Na altura ainda a meses de ser convidado para vice-presidente do partido - cargo que exerce hoje -, Moreira da Silva sentiu que o memorando era "curto", que era apenas um "plano de contingência" e que faltava a Portugal uma visão pós-troika, de médio e longo prazo.

Agora, com o relatório pronto, o núcleo duro do novo think tank sublinha o facto de o trabalho ter sido feito ao longo de um ano e ter envolvido mais de 400 pessoas, 80% das quais descritas como independentes e sem filiação partidária. Mas se há vários independentes na lista, é também claro o peso de pessoas que, mesmo sem cartão de partido, estão na órbita do PSD ou do CDS.

Estado ao serviço do cidadão

Os seus autores assumem, logo de início, que se identificam com a defesa de um Estado que "não se confunda", no plano "das funções do Estado e do seu modelo de gestão, com uma qualquer opção de Estado mínimo". E garantem que consideram que "o papel do Estado é fundamental na garantia da liberdade e da integridade plena dos seus cidadãos e na consagração da ordem do Direito". Sublinham que o Estado é, "em especial, fundamental na plena consagração da igualdade de oportunidades e de uma das mais solenes promessas do regime democrático moderno: a da mobilidade social".

O aumento do papel do Estado na garantia da representatividade dos cidadãos e da democraticidade da sociedade portuguesa é uma das prioridades apontadas. Daí que defendam medidas como o alargamento das possibilidades de referendo a matérias hoje interditas pela lei, mais facilidade no uso de petições e de legislação de iniciativa popular, e ainda a participação popular obrigatória nos orçamentos das câmaras municipais.

Como modo de combater a corrupção e o desperdício, propõem a criação de uma comissão que reforce "o acesso a informação e à participação dos cidadãos na avaliação das políticas públicas, e valorize a base científica das opções estratégicas". Isto através de uma comissão específica a funcionar em permanência na Assembleia da República que faça a "avaliação custo-benefício das iniciativas legislativas, suscitando a discussão pública das decisões de carácter estratégico".

Na melhoria da representação política, defendem as alterações ao sistema eleitoral que aproximem o cidadão dos seus representantes, sem alterar o princípio da proporcionalidade. Para isso avançam com a adopção do voto preferencial, mas também com a validação dos votos em branco na primeira volta das eleições presidenciais e na vinculação dos referendos.

Já sobre os partidos, defendem o aumento da "transparência e reconhecimento do mérito", através de "eleições primárias nas escolhas dos candidatos", do financiamento "exclusivamente público e com fiscalização e aprovação judicial dos financiamentos e das contas das respectivas campanhas internas".

Um Estado mais liberal

A visão liberalizadora do exercício da cidadania é assumida no documento na abordagem, por exemplo, do que deve ser o Serviço Nacional de Saúde: deve ser "inclusivo e financeiramente sustentável, num quadro de maior liberdade de escolha e de concorrência". Para isso, defende a revisão do "modelo de financiamento do SNS, substituindo o actual modelo contabilístico" por outro "centrado nos resultados e nos ganhos para a saúde". Tal mudança deve permitir a "universalidade do acesso através de uma política de preços que estimule a competitividade entre prestadores, independentemente da sua natureza pública, privada ou social.

Propõe-se, por outro lado, que seja reforçado o papel das ONG como mediadoras com o Estado, afirmando que as organizações de voluntariado "estão em condições de prestar muitos serviços públicos, com maior qualidade e eficiência do que o Estado".

No plano da legislação laboral, o documento sustenta que é "absolutamente urgente criar as condições para aumentar o emprego, num contexto de maior diversidade e flexibilidade nos regimes de contratação e de formação". Propõe assim que "é fundamental diminuir os custos de indemnizações por cessação de contrato de trabalho sem termo, aproximando o quadro normativo português dos regimes mais flexíveis da Europa". E defende o estabelecimento de "quotas, desde que criteriosas e flexíveis, para contratos de trabalho a termo e temporário, limitando o número de trabalhadores neste regime".

A plataforma está dividida em seis grupos de trabalho - Conhecimento, Bem-Estar, Sustentabilidade, Competitividade, Desafios Globais e de Cidadania, Democracia e Liberdade -, por sua vez organizados em 27 subáreas. Constituiu parcerias com think-tanks e fundações como a Bruegel, Centre for European Policy Studies e Centre for European Studies, na Bélgica, o Astrid, na Itália, o Reform e o Respublica, no Reino Unido, o Entorno, em Espanha, a Konrad Adenauer Foundation, na Alemanha, a FLAD e a Fundação Millennium, em Portugal.

Tanto na direcção como entre os coordenadores e os membros do conselho consultivo, há figuras como Francisco Pinto Balsemão, Ângelo Correia, Carlos Pimenta, Rui Machete, António Monteiro, Arlindo Cunha, Belmiro de Azevedo, Carlos Carreiras, Fernando Nogueira, Isabel Jonet, Manuel Meirinho, Pedro Lopes Marques, Teresa Gouveia e Vítor Bento.

Ao longo de 240 páginas, o relatório, a que o PÚBLICO teve acesso, faz a análise da sociedade portuguesa e apresenta 27 desafios estratégicos e 511 recomendações, que agora vai colocar no seu site (http://www. crescimentosustentavel.org), onde os cidadãos poderão votar as 100 mais importantes.

Os promotores prevêem que parte das medidas sejam partilhadas e outras repudiadas violentamente. Assumem que não quiseram fugir a questões polémicas e dizem agregar políticas de vários Governos, reconhecendo que há coisas bem feitas nos últimos anos. Já pediram audiências ao Presidente, primeiro-ministro, presidente da Assembleia da República, líder do maior partido da oposição, e aos parceiros da concertação social, centrais sindicais e associações patronais.

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