João Salaviza: "Realismo social é um rótulo que não me interessa"

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João Salaviza vai estrear a primeira longa-metragem em 2013 ENRIC VIVES-RUBIO

O realizador prepara a sua primeira longa-metragem, a história de um rapaz que caminha para a maturidade

Tudo começa com rabiscos numa folha de papel. A ideia transforma-se em palavras e o guião funciona como ponto de partida porque há todo um processo em que o realizador não permite que as personagens sejam esmagadas pelo tema. João Salaviza diz com todas as letras que o cinema trabalha com a vida e há rótulos que rejeita colar ao seu ainda curto mas intenso e premiado percurso, que foi tema de um debate no domingo, ao final da tarde, no Festival de Santa Maria da Feira.

Não gosta do rótulo experimental que tem sido usado para adjectivar a curta Strokkur, que filmou com o músico Norberto Lobo na Islândia, e esclarece que a trilogia "acidental" baseada na coerência temática dos seus filmes Arena, Cerro Negro e Rafa não é assim tão linear. "Pode parecer um contra-senso, mas o ponto de partida não é uma questão temática. O realismo social é um rótulo que não me interessa." O realizador está dentro e está fora da sua criação, explica no Festival de Santa Maria da Feira, que organizou um debate em volta do seu curto mas já intenso e premiado trabalho. "Quanto mais me sinto presente nos filmes, menos gosto deles."

Salaviza não quer, portanto, que o tema absorva as personagens dos seus filmes e são os "pequenos acidentes" que acontecem, como o improviso dos actores ou o guião que não é respeitado linha a linha, que mais lhe agradam. E não há nada para dizer - se assim fosse, diz, seria escritor. "Os filmes não são uma forma de dizer alguma coisa, mas de olhar para alguma coisa. Os filmes acabam quando não há mais nada para olhar." A crítica analisa a esperança e a falta dela, os belos planos, os duelos entre as personagens e o poder institucional, os finais inclusivos, a ausência de música. "O que cerca as personagens é muito pesado, muito trágico", comenta José Miguel Gaspar, crítico de cinema, jornalista do JN. Há um rapaz que atravessa uma ponte para procurar a mãe numa esquadra da polícia. Há um jovem com pulseira electrónica que sai de casa para bater nos miúdos que o roubaram. Há um homem preso que recebe a visita da mulher e não consegue falar com o filho. Salaviza fala de vida. "A matéria do cinema é a própria vida. Acredito que o cinema é o sítio onde temos a possibilidade de olhar uns para os outros." E é isso que lhe interessa.

A primeira longa-metragem está a caminho, estreará em 2013. Depois dos prémios em Cannes e Berlim, Salaviza volta a filmar em Lisboa a história de uma família: uma mãe, um filho rapaz que começa a entrar na idade adulta, uma irmã mais pequena. É tudo o que, neste momento, há para dizer sobre a próxima obra de Salaviza, o cineasta que o Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira convidou para abordar o seu trabalho em três perspectivas: do próprio realizador, da sua família cinematográfica e da crítica. Tiago Alves, crítico de cinema que moderou o debate, chama-lhe "o benjamim de um certo cinema português contemporâneo" que ganha prémios.

A família cinematográfica destaca a intimidade, os silêncios. A montagem sonora demora habitualmente dois meses. "É preciso tempo para perceber o material filmado", conta Nuno Carvalho, responsável pelo som. Vasco Viana, director de fotografia, realça a boa relação, as "referências conjuntas" que permitem uma "comunicação muito tácita". "Trabalhamos um bocadinho com o instinto, não precisamos de discutir tudo". Por vezes, Salaviza pensa colocar as imagens a preto e branco ou incluir uma musiquinha. Ideias que têm ficado pelo caminho. "Não consigo encontrar espaço de música para os meus filmes", confessa. Não que já não tenha tentado, mas, para o realizador, a música não pode entrar num filme de cima para baixo, mas de baixo para cima. Como algo que surgisse do chão e não do céu.

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