O treinador, a gestão da fadiga e a recuperação

O adiamento do jogo entre o Sporting e o Videoton, para a Liga Europa, foi muito discutido nos media e na opinião pública. Questionou-se, de imediato, se o confronto entre o Sporting e o Benfica também deveria ser adiado, de forma a permitir aos “leões” dispor de tempo suficiente para recuperar do esforço.

Não pretendo referir-me ao caso particular do derby lisboeta, no entanto, considero importante abordar alguns aspectos sobre o papel do treinador na gestão e preparação da sua equipa, de forma a tirar rendimento dos jogadores, sem colocar em causa a sua integridade física e emocional. O trabalho do treinador, a sua sensibilidade e os seus conhecimentos empírico-científicos são deveras importantes também neste aspecto. O processo de treino e a sua planificação devem ser elaborados ao pormenor, de forma a abolir riscos de sobretreino ou de desgaste competitivo, pois, além de provocarem eventuais lesões, estes são indutores de perda de concentração e de motivação, comprometendo a sua performance desportiva.

Quando falamos em cansaço ou fadiga, referimo-nos à fadiga central ou fadiga mental – por vezes mais difícil de recuperar –, provocada pelo desgaste psicológico e emocional que se faz sentir no sistema nervoso central (stress competitivo, exigência psicológica, concentração, etc.), e também à fadiga periférica ou cansaço físico, provocada pelo esforço e desgaste. Os futebolistas são individualidades, e cada caso é um caso. Falamos de tipologias díspares de esforço e de acordo com as suas posições e tarefas tácticas. Nem todos os jogadores reagem da mesma forma aos estímulos, nem tão-pouco à pressão ou às incidências do jogo. São diversas as respostas às variações de ritmo e de intensidade e à necessidade de competir com níveis elevados de concentração. E nem todos os organismos reagem da mesma forma ao esforço.

A temática da recuperação e da gestão do esforço ganhou especial dimensão devido ao aumento do número de jogos, às implicações inerentes à articulação entre competições domésticas e internacionais e aos imperativos das respectivas transmissões televisivas. Há estudos a comprovar que até 72 horas é suficiente para recuperar do ponto de vista fisiológico. Os regulamentos determinam que esse seja o tempo mínimo de espaço entre jogos oficiais e assume-se este tempo de intervalo como válido.

A minha experiência e a minha reflexão atestam isso precisamente. No entanto, as coisas não são assim tão simples e há diversos factores a ter em conta: uma contínua e desgastante sucessão de jogos, de 3 em 3 ou de 4 em 4 dias, o tipo de jogos e o seu grau de exigência e se há viagens extenuantes (repare-se no que aconteceu com a Académica, que andou quase uma semana fora para ir a Israel jogar para a Liga Europa), etc.

Porque importa ter um entendimento global da complexidade associada, o treinador deve também ter em conta o enquadramento, as características dos jogos anteriores e dos próximos, o tipo de adversário, a sua forma de jogar, a abordagem táctico-estratégica para cada desafio, as nuances e tarefas tácticas... A exigência do alto rendimento obriga-nos a dominar todos os factores, a conhecer profundamente os nossos jogadores na sua complexidade, de forma a conduzi-los ao limite do seu esforço e ao máximo rendimento possível. Se necessário, podem rodar-se jogadores, pois é para isso que se compõem plantéis homogéneos.

O hábito joga aqui um papel determinante. Repare-se na capacidade e na intensidade demonstradas pelos futebolistas nos jogos da Premier League ou das equipas de topo na Europa, mesmo jogando três partidas numa semana. Por esta razão, já houve casos de equipas que desceram de divisão, em épocas de aparição esporádica na UEFA, precisamente por não possuírem este tipo de rotina (recordo-me, por exemplo, do Beira-Mar e do Vitória de Guimarães).

Cabe ao treinador, enquanto modelador e gestor de recursos e de constrangimentos, e à estrutura do clube munirem-se de recursos suficientemente adequados para fazer face às exigências. Refiro-me à qualidade e à quantidade dos plantéis, aos meios que permitam enfrentar os requisitos inerentes a este nível competitivo e que possibilitem acelerar o processo de recuperação (nutrição, descanso, etc.). Para atingir os objectivos, não basta querer competir em todas as frentes com sucesso, há que criar condições adequadas e dominar o know-how.
 

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