Garcia Pereira vai patrocinar queixa sobre RTP ao Ministério Público

Jurista avisou que, se mais ninguém avançar, ele próprio apresentará uma queixa no MP para que se investigue, fora da RTP, o caso das imagens. Nuno Santos fala esta terça-feira sobre a suspensão e o processo disciplinar

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Garcia Pereira classificou Luís Marinho, director-geral de Conteúdos, como o emissário político de Miguel Relvas na RTP Miguel Manso

O advogado António Garcia Pereira ofereceu-se e a comissão de trabalhadores aceitou. O órgão representativo dos trabalhadores do grupo de TV e rádio públicas vai apresentar uma queixa ao Ministério Público (MP) para que o caso do acesso, pela PSP, às imagens dos confrontos do dia da greve geral seja “investigado fora da RTP”.

“Não aceitamos este linchamento do ex-director de Informação e queremos que o caso seja investigado a fundo por uma entidade fora da RTP e independente”, afirmou ao PÚBLICO Camilo Azevedo, um dos representantes da comissão de trabalhadores (CT).

A CT organizou esta tarde, na RTP, o debate Caso Brutosgate: Perspectivas Jurídicas e Deontológicas, para analisar a polémica das imagens em bruto captadas pelos repórteres da RTP e que a PSP visualizou, sem mandado judicial, a 15 de Novembro, nas instalações da TV pública. O debate foi acompanhado por cerca de três dezenas de trabalhadores, boa parte deles jornalistas e operadores de câmara, e até pelo administrador Beato Teixeira.

“Estou disponível para, com a CT, qualquer pessoa daqui ou o Sindicato dos Jornalistas patrocinar uma ou várias queixas que visem colocar o MP a investigar as várias e sucessivas violações da lei”, disponibilizou-se Garcia Pereira. E “se mais ninguém o fizer, tenciono eu próprio apresentar queixa”, garantiu, acusando o MP de “dormir tranquilamente”, por, quase um mês depois, ainda não ter reagido. Em causa estão crimes públicos, como é a entrada do serviço secreto de informações da PSP na RTP da maneira que o fez. Só podia entrar com mandado judicial, acompanhada por um juiz e um representante do Sindicato dos Jornalistas. Além disso, há violação do dever e do direito do sigilo profissional. Tudo isto “abre um sério precedente” e “configura não apenas uma ilegalidade, mas mesmo um crime”.

Como não foi foi pedida autorização à Comissão Nacional de Protecção de Dados para filmar a manifestação, a PSP precisava de arranjar provas “certificadas” e que fossem aceites em tribunal – daí o pedido de gravação com o logótipo da RTP. Guilherme da Fonseca, juiz jubilado do Tribunal Constitucional, considera que “essa gravação não vale nada. E, pior do que isso, é ilegítima, é ilegal e é passível de procedimento criminal”.

Garcia Pereira não se coibiu de deixar fortes críticas à actuação da equipa de Alberto da Ponte. E classificou mesmo Luís Marinho como “emissário político de Relvas na RTP”. Realçando ter tido desavenças com Nuno Santos sobre a cobertura da campanha eleitoral, Garcia Pereira tomou, no entanto, o seu partido. “Quando uma administração decide desnomear toda a gente que tem determinados cargos para limpar e depois fazer regressar quem interessa... cheira a esturro.” O jurista argumentou que, se foram usados os mesmos argumentos para toda a direcção de Informação, estes deveriam ser extensíveis ao director-geral de Conteúdos, Luís Marinho, mas, afinal, não o afectaram.

A avaliar pela descrição de jornalistas e repórteres de imagem, o sistema de arquivo temporário das imagens captadas pelas câmaras da RTP é muito vulnerável. Quando uma equipa chega da rua, “despeja” as imagens para um banco central de imagens e estas ficam disponíveis para jornalistas e técnicos. Tendo em conta que a RTP funciona como host broadcaster para a Eurovisão, pode até acontecer que imagens dos confrontos que não passaram na TV pública tenham sido vistas noutros países. O processo de acesso às imagens tem um registo muito informal. Não há sequer condicionalismos de acesso, o que levou alguns profissionais a aventar a possibilidade de passar a existir um controlo informático. “Isto vai exigir que estejamos infinitamente mais atentos e exigir dos nossos responsáveis directos que tenham atitude e protecção dos seus jornalistas, o que neste caso não aconteceu”, afirmava uma jornalista.

Recordando que o acesso da polícia a imagens da RTP já ocorreu no passado, a jornalista Diana Andringa contou que foi envolvida num caso desses, quando, nos anos 1980, a PJ acedeu a imagens de reportagens suas sobre a polémica da Dona Branca. Otília Leitão, vice-presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas – órgão que também está a analisar o caso –, realçou que a protecção do Estatuto do Jornalista alargou a protecção das fontes a documentos como cassetes e blocos de notas e que “falta regulamentar” a excepção ao sigilo profissional consignada no Código de Processo Penal em situações de segurança do Estado e crimes graves. “O jornalismo não é só a lei, mas um conjunto de práticas de cultura profissional”, avisou.

Depois de ter prometido falar na sexta-feira passada, o ex-director de Informação Nuno Santos dá esta terça-feira, ao fim da manhã, uma conferência de imprensa para falar sobre a sua suspensão e processo disciplinar.
 
 

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