Sociólogos seguem trajectória dos emigrantes portugueses desqualificados

Há uns anos, milhares de trabalhadores deixaram as regiões Norte e Centro do país para trabalhar nas obras em Espanha. Um grupo de investigadores seguirá agora no encalço destes portugueses até ao Luxemburgo e Reino Unido.

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O desemprego atingiu milhares de portugueses que trabalhavam na construção civil em Espanha Adriano Miranda

Já foram mais de 100 mil os portugueses inscritos na Segurança Social espanhola. Hoje, não passam de 40 mil. A “bolha imobiliária” rebentou e com ela desacelerou bruscamente o ritmo da construção civil. Que aconteceu aos portugueses, sobretudo do Norte do país, que há cinco anos eram notícia pelos trajectos pendulares que faziam entre Portugal e Espanha ao ritmo de uma viagem por semana?

“Sofreram uma dupla desestruturação social”, responde o sociólogo João Queirós, co-autor de um trabalho sobre os movimentos migratórios no Noroeste português que é apresentado nesta quinta-feira na Universidade do Porto, num seminário internacional sobre a emigração portuguesa em Espanha.

“Porque se tratava de um fenómeno pendular — com viagens de regresso a casa ao fim-de-semana ou de 15 em 15 dias —, esta emigração não possibilitava o estabelecimento de laços com a comunidade de destino. Mas, ao mesmo tempo, estes trabalhadores sofreram uma desvinculação dos colectivos de origem, com a quebra dos laços associativos e sociabilitários, porque os regressos a casa eram de fechamento em torno da família mais chegada, logo de quebra com a vida social local”, precisa o investigador da Universidade do Porto, que, com Bruno Monteiro, passou semanas no encalço destes emigrantes desqualificados.

Estudadas as origens — Rebordosa, em Paredes, de forte dependência da indústria do mobiliário, e Fonte Arcada, em Penafiel, onde a maioria da mão-de-obra masculina se emprega na construção civil — e o destino de acolhimento de um grupo de trabalhadores da construção civil (O Carballiño, na Galiza), os investigadores concluíram que estes operários foram auferir salários superiores mas pagaram caro a emigração pendular. “Observámos alguns casos de ruptura familiar. A mitologia em torno da ameaça de relações extraconjugais das mulheres que ficavam para trás estava sempre muito presente.”

Apesar de a emigração se ter apresentado “como um meio de acesso a remunerações mais elevadas”, como lembra João Queirós, “a verdade é que introduzia eixos de precarização da condição profissional e social destes homens”. “São homens de vidas muito frágeis, em que a dureza do trabalho que exerciam contrastava com fragilidades importantes na vida quotidiana e organizações familiares”, acrescenta o investigador.

Dado que o boom migratório para Espanha ocorreu sobretudo na primeira metade da década anterior e que, de então para cá, o desemprego tem subido a galope também em Espanha, onde param agora estes emigrantes das regiões Norte e Centro do país, maioritariamente jovens e desqualificados? “Alguns integraram a fileira do desemprego e muitos prolongaram a trajectória da emigração até países mais distantes”, responde João Queirós.

O próximo passo da investigação será regressar a Espanha, “procurando ver que portugueses estão ainda em Espanha e o que fizeram para contrariar os problemas de integração profissional naquele país”, como explica João Queirós, e, ao mesmo tempo, “criar pequenos observatórios” no Luxemburgo e no Reino Unido. “O ponto de partida continuará a ser a construção civil e, eventualmente, outras áreas relacionadas com esta, mas sem nunca sair do universo da emigração desqualificada.”

A investigação, financiada pela Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, visa perceber “se se mantêm os efeitos da dupla desvinculação” e perspectivar “de que forma o Estado português pode acompanhar e enquadrar os emigrantes, protegendo-os dos efeitos mais nefastos deste movimento quase perpétuo de trabalhadores”.

 

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