Impostos sobre alimentos hipercalóricos: uma taxa inteligente?

Esta medida fiscal não é inédita. No entanto, será que um problema complexo e multifactorial como este pode ser resolvido de forma isolada?

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Thierry Roge/Reuters

A sociedade ocidental contemporânea é fértil em mensagens contraditórias. Se por um lado se fomenta a “perfeição” da bela, jovem e magra, por outro abundam os apelos ao consumo de fast-food.

Mas mesmo tendo em conta que existe uma excessiva moralização do discurso, a obesidade é, justamente, considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a epidemia do século XXI. Os dados relativos à população portuguesa reflectem a tendência dos países desenvolvidos: 15% dos adultos portugueses são obesos e a obesidade infantil (pdf) atinge 20% das crianças. O excesso de peso aumenta o risco relativo de mortalidade e morbilidade. Em concreto, os doentes obesos têm um risco acrescido de adquirir Diabetes Mellitus tipo 2, dislipidémia, síndrome de apneia e hipopneia do sono, gonartrose, entre outras patologias.

Sendo assim, e sem cair em obsessões com o peso ideal, parece-me evidente que estamos perante um problema crescente com impacto na vida concreta do doente e da sua família e com influência na sustentabilidade do Sistema Nacional de Saúde (SNS). Mas após o diagnóstico, quais serão as medidas preventivas mais eficazes? Uma notícia recente voltou a colocar na agenda mediática o imposto sobre alimentos hipercalóricos. Em França, “os senadores entendem que chegou a altura de criar uma 'taxa' [taxa Nutella]". De acordo com o artigo, "estima-se que o aumento do imposto contribua com mais 300 euros por cada tonelada consumida", verba que se destinará "a financiar a Segurança Social do país”.

Esta medida fiscal não é inédita. Desde 2008 que, no estado Nova Iorque, as bebidas hipercalóricas sofreram um aumento de 18% de imposto e decisões semelhantes estão a ser ponderadas pelas autoridades de saúde do Reino Unido e Nova Zelândia. No entanto, será que um problema complexo e multifactorial como este pode ser resolvido de forma isolada? Quais as dificuldades na sua implementação neste período de crise social europeia?

A resposta a estas e outras indagações podem ser encontradas na Dinamarca. As autoridades daquele país anunciaram no mês de Novembro que vão recuar na designada “fat tax” introduzida apenas há cerca de um ano. A justificação foi o enorme aumento do preço dos alimentos e o impacto negativo no tecido empresarial dinamarquês. De facto muitos consumidores passaram, simplesmente, a atravessar a fronteira para comprar alimentos mais baratos na Alemanha.

Sendo assim, na minha opinião, Portugal deve resistir à tentação de avançar para uma panaceia fiscal no combate à obesidade. Em primeiro lugar as famílias portuguesas encontram-se já no limite do suportável no que diz respeito aos seus encargos. E, mais uma vez, seriam penalizados os mais desfavorecidos.

Para além disso, um aumento de preço num determinado produto pode não permitir a adopção de uma dieta saudável mas apenas um consumo de outros alimentos menos taxados. E tal como afirma Isabel do Carmo, os hábitos alimentares lusos têm um contexto cultural específico em que os avós ainda se recordam do que foi a fome exercendo actualmente a sua influência, ainda que bem intencionada, no sentido de uma dieta farta dos netos.

Julgo, portanto, que é mais eficiente uma estratégia abrangente, pela positiva e a longo prazo de promoção de hábitos de vida saudáveis. Uma mudança desta dimensão necessita do envolvimento de todos: cidadãos, profissionais de saúde, professores e famílias. Deixo aqui dois exemplos concretos: o Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável que inclui um site com receitas económicas e saudáveis e o Desporto Escolar que tem um calendário dinâmico e diversificado.

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