Noites no teatro

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Um ou dois artistas, uma curadora e uma obra inédita. Esta é a equação de Old School que Susana Pomba desenvolve mensalmente, desde Junho de 2011, nas instalações do Teatro Praga, em Marvila.

Monocórdico, um projector de slides vai disparando imagens de uma acção, enquanto na parede um retroprojector "desenha" pictogramas. Estamos numa sala que podia ser a de uma galeria, mas não é. Na verdade, a situação acima descrita aconteceu há mais de uma semana nas instalações do Teatro Praga e corresponde a uma das noites de Old School, de Susana Pomba (neste caso, a de Ramiro Guerreiro). Iniciado na Primavera de 2011, o projecto curatorial convida mensalmente um artista a fazer e a apresentar obras inéditas, com os recursos disponíveis. E pelas condições e obras que vão construindo a sua história, por aquilo que hoje nos diz das práticas e dos anseios dos artistas, adquiriu uma respeitável singularidade.

Tudo começou com e no Teatro Praga, revela Susana Pomba. "Tenho uma boa relação com eles, colaboramos habitualmente, e a dada altura propus usar este espaço para fazer uma noite todos os meses. A minha ideia foi sempre fazer alguma coisa com os meus recursos e os do teatro, que são maravilhosos". Os recursos podem ser o espaço, um projector, uma plateia ou um quadro de ardósia e, perante a ausência de apoios institucionais, são decisivos. Desde que Vasco Araújo estreou Old School com o vídeo Insula, já passaram 16 artistas pelo armazém do Praga, alguns estrangeiros (Jemima Stehli ou Liliana Porter), a maioria portugueses. Elenco heterogéneo que permite, mediante olhar um retrospectivo, a pesquisa de traços comuns nas propostas apresentadas e sobretudo a descoberta de uma motivação partilhada.

"Comecei a querer deixar em aberto o que isto podia ser. Sabia que tinha os recursos da Praga, que queria trabalhar com determinados artistas, mas estava aberta a propostas", recorda. "No início pensei que podia ser um sítio para mostrar obras em vídeo que não tinham sido muito vistas ou vistas de todo em Lisboa. Ou um lugar para pedir uma playlist que nos informasse sobre o trabalho de cada convidado. Por exemplo, uma selecção de obras de outros artistas ou de vídeos do YouTube". A participação de Pedro Barateiro em Outubro de 2011 trouxe, entretanto, um suporte que se adequava ao espaço: " Propôs-me fazer uma palestra/performance. Apresentou-se como performer e inaugurou um elo de ligação, através da oralidade, com o próprio teatro". Mas Old School nem por isso veio a privilegiar afinidades com o palco. Com a excepção de leitura dramatizada de Diálogo Oblíquo - Alma M. Karlin, de André Guedes, a maioria dos trabalhos consiste em vídeos, filmes ou instalações. Assim, o que sobressaiu, mais do que um suporte ou uma situação, foi o uso dado pelos convidados às condições oferecidas por Susana Pomba e o Teatro Praga. "Fizeram coisas que já tinham pensado em fazer, mas que não tinham experimentado em galerias ou museus. Este é um espaço que tem uma liberdade que não encontram noutras situações. Podem explorar outros suportes e modelos, investigar de uma forma que seria difícil numa exposição institucional". Com efeito, a maioria dos trabalhos revela uma dimensão "artesanal" que faz luz sobre os interesses e preocupações dos artistas. Mencione-se, a propósito, o esplêndido filme "A Ronda da Noite", de Vasco Barata, a instalação de Diogo Evangelista inspirada numa residência em Budapeste ou a única peça que chegou já feita à sala do Praga: Capitólio, um curiosíssimo e inédito vídeo, datado de 2006, da autoria de André Romão e Nuno da Luz, que constrói um olhar sobre a arquitectura do cine-teatro lisboeta.

Recursos e oportunidades

A soberania dos artistas e a vida posterior que algumas obras ganham (caso da performance de Pedro Barateiro e da peça dos Musa Paradísica) não oculta o processo colaborativo que dá origem aos prelúdios de cada noite. Referimo-nos ao quadro de ardósia onde os artistas e Susana Pomba apresentam as sessões (num exercício partilhado de desenho a giz) e nos populares trailers, sínteses de imaginação, experimentação e humor, disponíveis no blog oldschoolpomba.blogspot.pt. Da internet regressamos, porém, ao quotidiano: até que ponto a resposta entusiasta dos artistas não traduz uma necessidade tornada premente pelo presente contexto económico e político? "Sim, sinto isso", admite a curadora. "No início, achava que iria ser uma noite mais paralela, que ia mostrar o outro lado da criação dos artistas. Mas eles preferiram fazer obras inéditas, não quiseram perder essa oportunidade. Ou porque têm menos exposições cá ou porque expõem menos. E isso tem a ver com os tempos em que vivemos".

Enquanto não chegam os apoios institucionais, o projecto continuará com a ajuda preciosa do Teatro Praga e tem previstas exposições de Francisco Queirós (em Dezembro) e, em 2013, de Gabriel Abrantes e dos Calhau!, dupla que motiva Susana Pomba a retomar a questão dos laços com o teatro. "A presença deles pode vir a refletir isso. Este é um espaço do teatro. Não quero fugir a isso. Quando se fez a leitura dramatizada [do André Guedes], precisávamos de duas telas de projecção e os Praga tinham-nas cá. Sem budget, é um sonho poder usar a quantidade de coisas que uma companhia vai acumulando, são recursos muito importantes para um artista plástico". Ver alguém a trabalhar por amor à camisola é sempre uma situação emocionante. Mas o que move Susana Pomba? "É o que me move sempre e em qualquer momento, como curadora. A possibilidade de criar uma situação com condições especiais para acolher o trabalho de um artista e que possibilita um crescimento, que possibilita uma fruição, que possibilita um pensamento". "Oldschool" está longe de ser uma situação tradicional, mas isso não é problema, pelo contrário. "Entusiasmam-me as consequências que esse facto pode trazer ao processo criativo de um artista plástico. E com muito agrado, vejo que é isso que tem acontecido, os artistas respondem às condições, aproveitando-as, tirando o maior partido dos recursos existentes".

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