Música dos vencedores derrotados

Os Godspeed You! Black Emperor estão de regresso: rock de outro tempo, deste tempo

No pico da popularidade (algures entre 1999 e 2001), os Godspeed You! Black Emperor tinham a entrada no panteão da música popular bastante condicionada. O culto que muitos lhe prestavam era proporcional à ironia de uma heterogénea hoste de desconfiados. O rock para um novo século? Não, respondiam os cépticos, uma medíocre abastardamento das sinfonias de Glenn Branca ou música que vai abaixo e vai acima (e pouco mais), tocada por um bando de hippies (ou punks) que se recusam a dar entrevistas e não gostam de ser fotografados.

Dez anos depois, "Allelujah! Don't Bend! Ascend!", o quarto álbum do colectivo canadiano, não deve derrubar a ironia dos críticos ou desiludir os convertidos, mas assinale-se a atenção que as publicações mais importantes lhe dedicaram. Do The Guardian à The Wire, passando pela Pitchfork, poucas fizeram silêncio. E compreende-se porquê. Os GY!BE foram sempre uma banda fora de tempo ou de um outro tempo. A insistência no grupo, na comunidade, na estrada, nos concertos, na electricidade das guitarras já era, na pop e no rock do final da década de 1990, um gesto relativamente anacrónico, uma anomalia. Mas o horror declarado às reificações da indústria discográfica e uma música que fazia dos destroços do rock matéria épica surgiam como traços demasiados perturbadores. Intrigavam e hoje continuam a intrigar.

"Allelujah! Don''t Bend! Ascend!" reúne quatro temas, dos quais "Mladic" e "We drift like worried fire" têm sido tocados em concertos. O primeiro abre com samples de vozes (de um teatro de guerra, de um filme?) que se calam para a entrada dos violinos e da agitação das cordas. Depois o crescendo bruto, a libertação num frenesim de riffs e, quando a exaustão parece dominadora, quando a banda ameaça capitular, irrompem festivos sons de rua. Finda a catarse, o pequeno epílogo anuncia o que vem seguir: os GY!BE a expandirem o som que os notabilizou, com a melodia, o silêncio, a atonalidade e o ruído dos objectos. Note-se, por exemplo, a tensão entre a angústia e o apaziguamento que atravessa "We drif like worried fire", conjurando ecos dos Sonic Youth, Morricone, Górecki, Neubauten. Música para o corpo, sim (ah, os riffs, a percussão), mas também para a mente, máxima a que "Their helicopters'' sing" e "Strung like lights at Thee Printemps Erable", feitas de drones e feedback manipulado, tão bem dão forma. Desiludam-se: não são meros exercícios meditativos a la Terry Riley. Estão sempre em dialéctica com os restantes temas e por isso ruminam nas mesmas emoções, no mesmo imaginário e no mesmo real. Ouvem-se como canções sem cantores dedicadas a um tempo que acaba, ou elegias para palavras que vão deixando de existir ou que apenas existem como fantasmas. Em suma, o rock (de câmara, pós, sinfónico, chamem-lhe o quiser) dos GY!BE vive num exílio permanente, tocado pela graça. Como música de vencedores derrotados.

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