Mata-os Suavemente

A ruminância é o traço de Killing Them Softly, do neozelandês Andrew Dominik: um filme que se parece com o que já foi feito antes. Pensando no recente Lawless, do australiano John Hilcoat, permite-se o delírio: estes, nos nossos antípodas, estão a fazer seu aquilo que não lhes pertence, cruzando o western e o thriller, por exemplo, como se fossem alunos dósseis, tarefeiros de um imaginário alheio. Não passa por aqui a vertigem transfiguradora de um Sergio Leone que fez totalmente seu aquilo que não lhe pertencia precisamente por sublinhar, até à ampliação e distorção, o que já tinha sido feito.


Entre outras coisas, Killing Them Softly tem problema de personalidade. Esteve para se chamar Cogan''s Trade e o título foi alterado porque, segundo o realizador, parecia “um filme de Clint Eastwood de 1972”. Nem por isso deixamos de sentir que já vimos isto muitas vezes. Agora parece o quê? Um filme da vaga “tarantóide” dos anos 90, como filmes de Tony Scott (True Romance) ou Roger Avary (Killing Zoe)? Há um “profissional” (Brad Pitt) que vem acabar o trabalho sujo que ficou de um assalto a uma rede de poker clandestino. A razão do título: gosta de fazer as coisas sem envolver sentimentos - mas deste tipo de killers também já temos a nossa conta; e fica a dúvida se o underplaying de Pitt é opção ou falta de opções do actor. Dominik estiliza, câmaras lentas e tudo, o que tem um efeito contraditório: passando-se o filme no final da era Bush, em período de crise e estertor, background de que Killing Them Softly se aproveita para retratar uma era (a retórica de George W. na televisão é exibida várias vezes), qualquer efeito de “realidade” está ausente.

Predomina sempre o “visual”. Por isso, quando Pitt, no final, diz, perante o discurso do recém-eleito Obama na TV, qualquer coisa como “a América não é uma comunidade. A América é um negócio, por isso paguem-me”, essa exibição de individualismo feroz pode ter bastante efeito, mas resulta tão fácil como uma câmara lenta.

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