Operação Outono

Às tantas, é como se o filme se pusesse de acordo para se ver livre de Humberto Delgado, deixando-se invadir por um frenesim de burlesco tragicómico. E assim desaparece, mais ou menos a meio, a personagem principal. Na verdade, assim desaparece um foco de incómodo, até aí, de Operação Outono: a incompatibilidade entre corpo do actor norte-americano John Ventimiglia e a voz portuguesa que lhe arranjaram. (Não é só uma questão de sincronia ou falta dela na dobragem; é, sobretudo, o facto de aquele corpo, a forma como o actor quer sugerir nele uma energia informe, ser boicotado por uma voz desenhada, por um espartilho). Mas Humberto Delgado morre, e assistimos com surpresa à forma como Bruno de Almeida orquestra as coisas nesse momento: em direcção a uma série de espasmos. A partir daí Operação Outono está mais à vontade não para encontrar um centro mas para delirar com a ausência de centro. Tornando-se evidente que o foco principal não é a personagem Humberto Delgado, que não há aqui nada a “revelar” sobre uma conspiração, que isto não é um “thriller”. É uma comédia humana, febril, pícara, com uma série de personagens que gravitavam à volta de Delgado a darem corpo ao país dos brandos costumes. Podemos sonhar, perante as fragilidades de Operação Outono, com o “grande filme que poderia ter sido”. Em vez de lamentarmos, podemos constatar que por aquilo que é, já dá um pontapé apetecido nos formatos “filme de época”, “filme histórico” ou “thriller político”. Por exemplo, desviando a PIDE para a “comédia à italiana” - sim, este é o I Soliti Ignoti/Gangsters Falhados (Mario Monicelli, 1958) de Bruno de Almeida. Quase todo o arsenal de pícaro é impecável - os actores, dos homens - mas às mulheres cabe a gravidade, como uma reserva moral - e falamos de Ana Padrão, do silêncio da fabulosa Ana Padrão, e daquela belíssima passagem dos olhos dela para o E Depois do Adeus de Paulo de Carvalho. Que filme poderia ter sido? Este é um daqueles casos em que a dúvida, “Que raio de filme ele quis fazer?”, estimula.

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