SpY: o artista madrileno que deixa as cidades do avesso
Já cercou um carro da polícia de fita amarela ("Caution", lê-se, dezenas de vezes) e mudou uns quantos sinais de trânsito de Madrid. SpY faz "intervenções urbanas". Na rua, sempre
Não, não é o “Spanish Banksy”. “Não me sinto de todo identificado com esse termo”, confessa SpY, artista de rua, natural de Madrid, autor de “intervenções urbanas” que deixam cidades do avesso — um “half-pipe” mascarado de campo de futebol, um carro virado ao contrário, um telefone público cujo auscultador é uma banana.
A comparação com Banksy, apesar de algo fácil, até é “curiosa”. “Pessoalmente gosto do seu trabalho, sobretudo quando o vejo na rua”, escreve SpY, em resposta à entrevista enviada por e-mail, recordando, por exemplo, a Mona Lisa com a bazuca que encontrou em Londres nos inícios de 2000.
Mas são coisas diferentes, percursos diferentes, trabalhos diferentes; desde logo, porque, no “mundo da arte”, o artista britânico “transcendeu a um nível inesperado num curto espaço de tempo”. E, principalmente, porque o madrileno recusa-se a exibir as suas obras em galerias, recorrendo antes (e apenas) a fotografias.
“Há algum tempo, fiz uma exposição e dei-me conta do quão despropositado seria mostrar o trabalho que realizo na rua dentro de um espaço expositivo.” Por isso bate o pé aos “galeristas e comissários” que lhe pedem réplicas das obras. O objectivo nunca foi “preencher galerias ou museus” ou “procurar a atenção do mercado da arte”. É um caso de cada macaco no seu galho — para SpY, as “intervenções urbanas” que desenvolve só fazem sentido no lugar delas, isto é, na rua.
“O meio ambiente, o encontro com o viajante, o contexto em que as intervenções se encontram são grande parte da obra, algo que não faz sentido tentar imitar numa galeria.” Sempre que tem uma obra nova, documenta-a devidamente e, para cada exposição, apresenta então reproduções fotográficas de grande formato que ficam para venda. É uma maneira de “levar o trabalho às pessoas que não puderam desfrutar do encontro com a obra”, mas também de ganhar algum dinheiro (“ajudam-me a manter a produção das minhas obras na rua”).
Do graffiti para mudar a rua
Tudo começou em finais dos anos 80. Sem experiência, sem qualquer tipo de estudo artístico, apenas como autodidacta, SpY começou a fazer graffiti atraído pelas pinturas que via na rua. Depressa conseguiu definir um estilo próprio. “Atraía-me poderosamente a ideia de ver o meu nome em todos os sítios.” Comboios, paredes, tags — ele estava em todo o lado. “Tornei-me bastante conhecido na cena do graffiti em Espanha”, diz.
Daí foi evoluindo naturalmente até o que faz agora, a que chama “intervenção urbana” (“urban intervention”). As primeiras experiências, em meados da década do 90, tinham a “herança do graffiti”, em que o seu nome funcionava quase como “pretexto”. Escrevia-o em grandes cartazes, fazia “contrapublicidade”, alterando as mensagens dos “outdoors”, tornou suas homónimas algumas estações do metro. “Naqueles dias”, recorda, “não era habitual ver intervenções artísticas autónomas na rua que não tivessem a ver com o graffiti e o ‘post-graffiti'”. A cidade tornava-se assim no “suporte artístico com maior potencial” para as suas obras. Até hoje.
“O que melhor descreve o trabalho que faço é que é autónomo; é uma manifestação artística que ocorre de forma independente no espaço público, não respondendo a interesses comerciais. É por minha conta e risco e não tem controlo de instituições na forma e no conteúdo.”
Arte "não-legal"
Nas suas intervenções urbanas tenta que o transeunte “reflicta sobre a avalanche de imagens que compõe a actual paisagem”. “Encontrar manifestações artísticas na rua quase que é um alívio face a tanta massificação”, diz.
Não é tanto “uma atitude de rejeição ao ambiente imposto”, embora possa parecer. Basta olhar para o carro da polícia nova-iorquina cercado por fita amarela. “Caution”, lê-se. É quase a sua obra-prima, embora tenha sido um dos trabalhos que mais lhe custou decidir fazer. “Agora que penso nisso não o voltaria a fazer”, admite, quando o P3 lhe pede para falar das suas obras.
Grande parte do seu trabalho (e aquele que mais parece o entusiasmar) tem, de facto, este formato “não-legal”, em que trabalha sem rede, valendo-se apenas de si próprio. Não termina aqui, no entanto. Por vezes colabora “de uma maneira mais directa com as galerias na produção de peças na cidade”. É o que chama de “arte pública”, em que há o “consentimento das autoridades que gerem os espaços públicos”, acabando o artista por “elaborar manifestações artísticas sob supervisão”.
Por exemplo, “Words Alive”, o seu novo projecto, exige que se envolva “um pouco mais” com as instituições. Nele, SpY vai andar pelo mundo a deixar pequenas-grandes palavras, unindo países através destas mensagens urgentes. Claro que não deixa de pensar em “novas ideias para fazer na rua”. Portugal há-de estar nos planos. "Me encantaría."