O futuro das comunicações digitais

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O polémico processo de implementação da TDT em Portugal lança luz sobre outras questões, que surgem em torno do desenvolvimento tecnológico das comunicações. A propaganda que ecoa a respeito das tecnologias digitais é sempre positiva, de modo a satisfazer os anseios de um mundo dito pós-moderno. No entanto, entre os benefícios que as pessoas comuns podem receber e os serviços que são fornecidos, há inúmeros lóbis, pressões e lógicas que consideram essencialmente os aspetos económicos, deixando em segundo plano as questões sociais.

Em Portugal, o modelo adotado para a televisão digital terrestre (TDT) parece ter beneficiado grandes interesses privados em detrimento da população, sobretudo os mais pobres e idosos, que, sem condições financeiras de assinar um serviço de televisão paga, são obrigados a contar com uma TV cujos sinais são de qualidade duvidosa em muitas regiões e cuja programação se limita ao mesmo número de canais da antiga TV analógica, algo que é uma rara exceção no universo dos Estados-membros da União Europeia.

Em grande parte da Europa, os canais públicos foram a locomotiva acionada para justificar os custos da migração da plataforma analógica para a digital, a que os cidadãos foram obrigados, pois passaram a transmitir mais canais na TDT. Ora, em Portugal, o serviço público de média teve uma presença pouco vigorosa no importante processo de digitalização das transmissões televisivas.

Agora, após a implementação definitiva da TDT, seria importante que a sociedade discutisse o pós-televisão. O fim da TV analógica deixa livres frequências que podem vir a ser ocupadas não apenas por sinais televisivos mas também por outros serviços. É o chamado "dividendo digital". A primeira utilização deu-se com o fornecimento dos serviços de Internet 4G. Mas há muitas outras possibilidades.

Se, antes, as lógicas da comunicação eram desenhadas em torno dos meios de massa, agora o foco principal é a interação entre os utilizadores. Deixamos de ser consumidores passivos de serviços de comunicação para sermos também produtores. Portanto, apesar de estarmos perante uma questão essencialmente tecnológica, é no campo social que as mudanças nas comunicações eletrónicas devem centrar-se, a despeito de elas serem incentivadas sobretudo por anseios mercantis.

Em março deste ano, o Parlamento Europeu estabeleceu um programa plurianual para a política relacionada com a utilização das frequências libertadas com o fim da TV analógica, ressaltando o facto de que o "dividendo digital" não provoca apenas impactos económicos, mas também influência nas áreas de segurança, saúde, educação, ciência, meio ambiente, etc. A Europa destaca que as novas comunicações devem servir para promover a inclusão digital, económica e social, para difundir a cultura, fornecer serviços de saúde online, melhorar a eficiência energética, fomentar a indústria e também a investigação e o desenvolvimento.

Com a TDT, Portugal perdeu a oportunidade de oferecer mais à população. Isso não pode ocorrer também com o "dividendo digital". No entanto, sem uma ampla discussão pública, somente as lógicas financeiras das grandes empresas vão ser levadas em conta. Cabe principalmente ao governo levar o debate aos cidadãos, para que eles tenham voz. Mas, para isso, é preciso interesse social, e parece que ele está a faltar.

Também as universidades precisam de promover conferências e estudos sobre o tema, mas com plena liberdade de exercitar a crítica, pois esta é uma das funções da academia. E necessitam de ser ouvidas pelo Estado, de forma a colaborar na busca de melhores opções, que beneficiem as pessoas, que tornem o país mais competitivo, menos desigual, mais humano.

No centro de todo o debate deve estar o cidadão. Seria um erro do Estado e demais intervenientes acreditarem que é possível implementar novas políticas de comunicação sem levar em conta a opinião dos utilizadores, que são cada vez mais ativos no mundo em rede. Da mesma forma, também seria um erro trabalhar os conceitos e os serviços do dividendo digital levando em conta questões meramente técnicas e económicas, ignorando as mudanças profundas que os novos serviços de comunicação eletrónicos provocam na sociedade.

É, portanto, no social que o futuro das comunicações deve basear-se. E ele passa pela ética de uma forma nunca vista, pois estamos numa era na qual a informação circula por diversos meios, sem mediações, onde muitos pontos de vista são colocados com grande impacto, pois qualquer pessoa atenta pode ser um agente difusor de informação e serviços. Quem ainda não percebeu isso está fadado ao fracasso, seja um profissional, uma empresa ou um país.

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