Os 5 passos de E. L. James

Foto
A escritora numa das suites do hotel Tivoli ENRIC VIVES-RUBIO

Os romances de E. L. James desenterram mulheres submissas, sexo e chicote. Mas o sucesso de As Cinquenta Sombras deve-se à receita de sempre: conta uma história de amor. Em Portugal, está quase nos 200 mil exemplares vendidos

A escritora britânica E. L. James, autora datrilogia que vendeu 60 milhões de exemplares nos 53 países onde já foi editada, esteve em Lisboa a lançar o último volume desta história da virgem Anastasia Steele, estudante de Literatura que seguirá uma carreira de editora, e do dominador Christian Grey, um CEO norte-americano milionário que abandonou a universidade de Harvard para construir o seu império. O livro As Cinquenta Sombras - Livre, editado pela Lua de Papel, segue-se a As Cinquenta Sombras - Mais Negrase As Cinquenta Sombras de Grey.

Para apimentar, Christian tem um passado sombrio - foi abusado na infância antes de ser adoptado - é adepto de práticas BDSM (bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo) e deseja que Anastasia seja sua submissa, enquanto ela sonha com o príncipe encantado.

Entre as 200 pessoas que conseguiram autógrafos na sessão com a autora terça-feira, na Fnac Colombo, estava Viviane Santos, 28 anos, oficial de justiça, que resumiu bem a trilogia: "É a história de alguém que deixou de ser quem era para se dedicar a outra pessoa. É sobretudo uma história de amor, e é isso o mais fascinante para além do sexo."

A história de amor

Mário Póvoa, técnico comercial, 53 anos, um dos dez homens que conseguiram autógrafos em livros que vai oferecer no Natal, leu o primeiro volume "em diagonal": "Mr. Grey domina a menina, que quer ser dominada e quer um príncipe encantado dos tempos modernos." Uma história com um certo "fetichismo à mistura" que é um sucesso porque "as pessoas têm fantasias de serem dominadoras ou serem dominadas", e por ser "sobretudo uma história da Disney dos tempos modernos".

Erika Leonard James (E.L. James), 49 anos, era uma produtora de televisão infeliz que abdicou do sonho de ser escritora para se dedicar à família (tem filhos adolescentes), até ao dia em que decidiu escrever. A sua geração leu Henry Miller, Anaïs Nin, Marquês de Sade... Mas ela não. Leu autores românticos americanos, como Nora Roberts, e também literatura relacionada com a comunidade BDSM. A ideia para os romances As Cinquenta Sombras surgiu-lhe com uma pergunta: "Como seria se conhecêssemos uma pessoa que praticava esse estilo de vida e nós não, nem soubéssemos nada disso?", conta ao PÚBLICO numa entrevista pouco antes de deixar Lisboa.

As leitoras portuguesas que encontrámos na Fnac adoram a trilogia porque mostra que "alguém pode mudar por amor". Talvez o sucesso destes livros não esteja no bondage e nas inúmeras cenas de sexo mas "na história de amor", confirma E. L. James entre gargalhadas, interrompendo a nossa pergunta sobre a sobrevalorização do sexo no sucesso dos romances. "Esse é um dos maiores mal-entendidos em relação à trilogia, a ideia de que é o sexo... as pessoas estão a responder à história de amor." As mulheres "querem uma história de amor apaixonante onde o amor cura tudo", diz. "Christian é uma fantasia e tem um estilo de vida de fantasia. É incrivelmente capaz e quando sai da cama já é um tipo espantoso."

Uma das razões por que a escritora escolheu Mike de Luca que vai produzir o filme que vem aí (produziu A Rede Social) é porque ele lhe disse que se tratava de um livro sobre o primeiro amor. "É o primeiro amor dela e é o primeiro amor dele. Achei que seria mais interessante que ela fosse virgem porque assim não sabia nada sobre sexo e era puxada para este mundo extraordinário e de alguma forma sombrio. Por outro lado, ele é um virgem emocional."

A virgem e dominador

A escritora britânica decidiu criar esta história em que uma rapariga é dominada por um homem porque acha sexy. "É simples. Acho todo esse tipo de coisas muito sexy." Não nos estamos a referir ao bondage, dizemos."Mas eu estou! Eu queria fazê-lo, porque acho esse género de coisas bastante excitante. É verdade que Anastasia se sente infeliz porque está perdidamente apaixonada por um rapaz com quem acha que não pode ficar. Mas só se tem uma história se houver conflito", contrapõe. "É verdade que ela chora e sofre. Está apaixonada por aquele tipo e quer estar com ele, mas não da maneira como ele é. E ele não pode estar com ela por causa da maneira como ela é. É esse conflito que faz a história mais interessante."

Aprendeu isto com o marido, o argumentista de televisão Niall Leonard que depois do sucesso da mulher também já publicou um livro, Crusher, e lhe explicou que para uma boa história é preciso ter um conflito: "Saber quem é o nosso herói, qual é o seu plano e o que se está a meter no meio."

Christian Grey, o milionário dominador do romance, é adoptado e foi abusado na infância. Há anos em terapia para ultrapassar os traumas, só por amor se salvará ou não. A autora tem recebido muitas mensagens "extraordinariamente emocionantes" de leitores que sofreram abusos na infância, se identificam com a personagem e lhe dizem que a leitura dos livros ajudou a pôr tudo em perspectiva e a seguir em frente. "É emocionante e surpreendente, porque escrevi estes romances para me divertir. E depois apercebemo-nos destas coisas. "

A fan fiction

A autora de As Cinquentas Sombras de Grey, que em Portugal esgotou dez edições e já é o livro mais vendido do ano, adora ler histórias de amor. "Quando comecei a escrever, em 2009, escrevi três histórias de amor antes de escrever o que se transformou na trilogia As Cinquenta Sombras", lembra. Quando terminar todo este ruído à sua volta, a escritora eleita como uma das 100 personalidades mais influentes do ano pela Time, quer reescrever duas dessas histórias. "Porque as personagens ainda estão comigo, a irritar-me." Enviou o primeiro romance que escreveu para alguém que lhe disse: "Esquece." Não desistiu e escreveu um segundo livro, que nunca chegou a acabar, e foi durante esse processo, que descobriu a fan fiction, o género de ficção criada por fãs de determinada obra publicada em vários sites na Internet. Como era admiradora da saga Crepúsculo, de Stephenie Meyer, escreveu uma dessas ficções baseada na história da estudante virgem Bella e do vampiro Edward. Chamou-lhe Master of the Universe e foi postando capítulo a capítulo no fanfiction.com.

Os leitores iam dando opiniões sobre o que devia acontecer às personagens. "O que é encorajante nos sites de fan fiction é os leitores perguntarem: "O que é que vai acontecer a seguir?" Encoraja-nos a escrever, mas nunca pensei que era um trabalho colaborativo, sempre foi meu. Sei que há quem tenha dificuldade em aceitar isso. Mas era meu, desde o início." Mesmo quando o marido lhe sugeria coisas, ia no sentido contrário. "Não queria ouvir as sugestões de ninguém, odeio isso. Sinto-me muito possessiva em relação ao romance, não queria as ideias de outros na minha cabeça."

Em Fevereiro de 2010, a editora independente australiana The Writer"s Coffee Shop, que também rege um site de fan fiction, decidiu transformar Master of the Universe numa ficção original para publicar em livro. Mas o contrato tinha um acordo de confidencialidade que não agradou à escritora. Em Janeiro de 2011, um grande amigo seu, que também escrevia fan fiction, pegou nas suas histórias, reescreveu-as e arranjou um editor. "Foi nessa altura que decidi que, se ele o tinha feito, eu também o podia fazer e foi aí que voltei a falar com a The Writer"s Coffee Shop para lhes dizer: ‘Vamos a isto.’"

Os livros publicados assim estão tal como a autora os quis publicar. "As Cinquenta Sombras é erótico, romântico, é um thriller, é policial, é um drama, tudo isso ao mesmo tempo", diz.

A Random House

Por ter sido publicado desta maneira, sem um agente literário a dizer-lhe para fazer alterações para se enquadrar em determinado género literário, é a história que ela queria contar. "Os editores estão demasiados focados no mercado das coisas: onde vamos enfiar estes livros? Os livros encontram o seu público, eu acredito nisso."

No entanto, nunca se viu como uma autora que se autopublicou porque a The Writer"s Coffee Shop ofereceu-lhe um contrato e não teve de gastar dinheiro para ser publicada. Sem uma estrutura por trás, conseguiu chegar aos tops da literatura erótica da Amazon. "O boca a boca funcionou." Pouco depois do Natal passado, E. L. James começou a receber pedidos de informação sobre os direitos de adaptação ao cinema e os seis grupos editoriais norte-americanos entraram em contacto com ela. Escolheu a Random House. Fizeram com a autora muito trabalho de edição no primeiro volume As Cinquenta Sombras de Grey e nos outros não foi preciso mexer muito. "Eles têm pessoas que sabem o que estão a fazer." Gostaria de ter mudado coisas na intriga, mas não houve tempo. "Tinha de ser aquele o momento de publicar, era como se as pessoas estivessem desesperadas para ler todos os livros." O sucesso do livro veio depois dos Estados Unidos para Inglaterra, e para todo o mundo.

Os brinquedos sexuais

Tal como Stephenie Meyer, E. L James lançou uma banda sonora para acompanhar a leitura dos seus livros. Já há brinquedos sexuais com a marca Fifty Shades (o título original da trilogia), produzidos pela empresa do website que a escritora costumava visitar quando estava a pesquisar para o livro. "Fazem brinquedos sexuais de altíssima qualidade do género que o Christian teria." Imaginava que poderia ter algum merchandising - uma t-shirt e canecas -, mas havia falta de bolas de gueixa em todo o mundo por causa dos livros e então ela disse: "Ok, vamos lá a fazer brinquedos sexuais."

Dan Brown, com que partilha o editor, já disse que estava disponível, caso ela precisasse de falar com alguém. E. L. James está consciente de como vai ser difícil escrever o próximo livro. "Se calhar vou escrever com um pseudónimo e autopublicar-me [risos]."

Sugerir correcção