A democracia fechada à chave

É lamentável que Passos Coelho vá à Madeira validar um congresso que ofende a democracia

Num gesto mais próximo do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte do que do PSD nacional, Alberto João Jardim decretou que o próximo congresso do PSD-Madeira decorrerá à porta fechada. Aos jornalistas será apenas permitido cobrir a abertura e o encerramento do conclave. O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, validará com a sua presença este atropelo às regras básicas da democracia. O facto de um partido se reunir às escondidas é por si só muito grave: trata-se, na verdade, da negação da democracia. Não sendo esta a primeira vez que isto acontece no PSD-Madeira, a insólita ideia de fechar à chave um congresso partidário surge quando, pela primeira vez em 36 anos, existe oposição interna no partido de Alberto João Jardim. Nas eleições que antecederam o congresso, a oposição, liderada por Miguel Albuquerque, foi derrotada por uns escassos 2,8 pontos percentuais. Essa afronta ao poder de Jardim não terá segundo tempo no congresso. Até porque, contrariando o disposto nos estatutos do PSD nacional, entre os sociais-democratas da Madeira não existe o princípio da proporcionalidade e a lista vencedora fica com todos os lugares em todos os órgãos partidários. O que significa que, desde a fundação, o PSD-Madeira, tal como o Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte, foi concebido como um partido em que a oposição e o pluralismo eram supérfluos. Um partido em que não existia democraticidade. Estranha-se também, e lamenta-se, que o primeiro-ministro dê cobertura a semelhante atentado à democracia. Sobretudo depois de o PSD ter trocado o voto favorável do PSD-Madeira no OE por um empréstimo de 1,1 milhões de euros, através do Orçamento rectificativo. Uma vez mais, Jardim exigiu e Lisboa deu. Talvez o PSD-Madeira um dia o venha a eleger como líder eterno. Tal qual o partido fundado por Kim Il-sung. O PSD nacional certamente aplaudirá. Até à eternidade?

Indignidades em nome da justiça

Um dia, quando vendia esculturas à beira de uma estrada, um homem foi detido. Nunca lhe explicaram os motivos da detenção, não teve direito a advogado, não foi condenado nem sequer julgado. Mesmo assim passou mais de doze anos na prisão. Libertaram-no no início de Setembro por "haver sinais de a detenção do mesmo ter sido irregular", segundo o procurador-geral, que assinou a ordem de libertação. Sinais, ao fim de mais de uma década! Este inacreditável processo-sem-processo kafkiano teve lugar em Moçambique e foi denunciado agora pela Amnistia Internacional, com a ajuda da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos. O mais grave é que não será caso único. Em Moçambique, apesar de a lei obrigar a que todos os detidos sejam apresentados a um juiz no prazo de 48 horas, há centenas de detidos sem julgamento. O alerta da Amnistia deve ser levado a sério, para pôr fim às arbitrariedades e para que a justiça, em Moçambique, seja digna desse nome.

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