Caiu o muro que dividia o Parque das Nações

A data – 13 de Novembro de 2012 – marca o primeiro dia do resto da vida do Parque das Nações, o bairro que nasceu com a Expo98 e viveu mais de uma década dividido em duas partes, entre Lisboa e Loures. A queda do “muro” resolve muitos problemas aos cerca de 22 mil habitantes da nova freguesia da capital. Mas ainda há trabalho a fazer.

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Os moradores do Parque das Nações defendem que este é um bom local para as famílias viverem Enric Vives-Rubio

Até à semana passada, o Parque das Nações era, como desde que foi criado, quase “terra de ninguém”. Estava entregue a uma empresa que o Governo vai fechar, a Parque Expo, e dividido entre três freguesias de dois concelhos vizinhos: Lisboa e Loures. Agora que o "muro" caiu, com a passagem do bairro na íntegra para a capital, abriu-se o caminho para resolver muitos dos problemas de que os moradores se queixam há mais de uma década.

Quem vive e trabalha na parte norte do bairro, que até então pertencia às freguesias de Moscavide e Sacavém, em Loures, tem pago a água três vezes mais cara do que os vizinhos de Lisboa. Pagava mais pelo táxi, quando queria atravessar a fronteira invisível. E quem mora na parte de Lisboa, na freguesia dos Olivais, reclama a unidade e o desenvolvimento do bairro, onde há mais de dez anos se luta por um centro de saúde que ainda não saiu do papel.

O PÚBLICO ouviu um casal de moradores, um reformado e uma dupla de comerciantes que habitam e trabalham no Parque das Nações, para saber o que esperam que mude com a nova freguesia. A lista de desejos é extensa, mas começa a desenhar-se um futuro animador.

Confusão de moradas
Quando decidiram abrir a Galeria, em Março, as designers Carla Matias e Sandra Mendes só tinham uma condição: tinha de ser no Parque das Nações. “É uma referência no crescimento urbanístico de Lisboa”, justifica Sandra Mendes. Para instalar a loja de arte escolheram um espaço na zona norte do bairro, que até agora pertencia a Loures. A partir daí foi a “confusão completa”. Carla Matias recorda as primeiras aventuras: “Estivemos meia hora à espera que ligassem para as Finanças para confirmarem a que concelho pertence a zona.” No fim de contas, a empresa ficou registada nas Finanças em Lisboa, mas inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Loures. “Ninguém se entendia.”

A Galeria fica na Via do Oriente (pelo menos é o que se lê nas pequenas placas azuis que indicam os nomes das ruas), a seguir à rotunda onde termina a Alameda dos Oceanos, na direcção do rio Trancão. Mas pesquisar a morada no Google Maps é tarefa impossível – não existe uma rua com esse nome em Loures, nem em Lisboa. Até agora, era como se fosse “terra de ninguém”, diz Carla Matias, para quem esta confusão de moradas explica os muitos cartazes colados nos vidros das lojas vazias, a anunciar a venda. “As pessoas não investem na indefinição.”

Se fossem abrir hoje o negócio, as designers contariam uma história diferente. Desde 13 de Novembro que a nova freguesia do Parque das Nações existe juridicamente – com a publicação da Lei 56/2012, de 8 de Novembro que define a reforma administrativa de Lisboa – e integra a parte norte do bairro. A partir de agora, é uma das novas 24 freguesias da capital, embora na prática a junta só seja constituída após as eleições de Outubro de 2013. O território passa a ser gerido pela Câmara de Lisboa a 1 de Dezembro próximo.

Acabam-se assim muitas dores de cabeça dos cerca de cinco a sete mil moradores da zona norte. As moradas passam automaticamente para Lisboa, mantendo-se o código postal. Segundo a Associação de Moradores e Comerciantes do Parque das Nações (AMCPN), os CTT continuarão a distribuir a correspondência com as moradas anteriores até que tudo esteja regularizado. 

Deverão também ser uniformizados os números de polícia em todo o bairro, um processo que se arrasta há anos e que deu origem, no passado, a “problemas graves” na distribuição das cartas, diz José Moreno, presidente da AMCPN. “No início, houve muitas cartas perdidas, electricidade cortada, problemas com tribunais”, conta.

A numeração atribuída pela Parque Expo aos edifícios inclui três números (lote, parcela, prédio), que não são habitualmente aceites em sistemas informáticos. Em Loures, a câmara já tinha avançado em 2008 com a atribuição dos números de polícia, mas em Lisboa o processo ficou pelo caminho.

Promessas por cumprir
José Moreno foi o primeiro morador do Parque das Nações, para onde se mudou ainda antes de a Expo98 abrir portas ao mundo. “Costumava dizer que vivia numa moradia de sete andares, porque durante oito ou nove meses vivi sozinho no prédio”, recorda. Ao longo de 14 anos, ouviu da Parque Expo, que geriu o espaço, e da administração central, muitas promessas que ficaram por cumprir. A construção de um centro de saúde foi uma delas.

Hoje, os utentes dividem-se entre os postos médicos dos Olivais (Lisboa) e de Sacavém e Moscavide (Loures). “Com a criação da freguesia, quem mora na área que pertencia a Loures tem de passar para o Centro de Saúde da Encarnação [nos Olivais], que vai "entupir. A sorte é que nesta zona muitos têm seguro de saúde e vão ao privado”, ressalva José Moreno.

O terreno para onde está projectada a unidade, hoje cercado de grades metálicas e povoado de ervas daninhas, é o espelho de mais de uma década de avanços e recuos. Em 2000, conta Moreno, foi elaborado um projecto, que ficou na gaveta. Dez anos depois, foi elaborado novo plano. Também não saiu do papel. O início das obras esteve prometido mais do que uma vez.

“Em Abril deste ano, o Ministério da Saúde disse que a empreitada estava adjudicada, e que havia dinheiro”, conta o presidente da AMCPN, que tem sido o interlocutor da tutela neste processo. Faltava só uma autorização, para que a despesa fosse plurianual. A Portaria n.º 307/2012, publicada a 30 de Julho, autoriza o investimento, que ultrapassa três milhões de euros (mais IVA), distribuído por três anos (2011, 2012 e 2013). Mas desde então, nada aconteceu.

“Estou pessimista. Este ano, a obra não começa de certeza, mas nem sei se será para o ano”, admite Moreno, lamentando que as entidades responsáveis vão “empastelando” respostas. Ao PÚBLICO, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo deixa tudo em aberto: “não se questionando a necessidade de um novo equipamento público de saúde” naquela freguesia, “a decisão quanto ao início da empreitada só poderá ser tomada ao longo de 2013”. Moreno torce o nariz.

Escolas sem fronteiras
Enquanto isso, Teresa e André Costa continuam sem médico de família no Centro de Saúde da Encarnação, onde estão inscritos. “Está sempre cheio”, reclama Teresa, 34 anos, load controller na Groundforce. O casal mora na zona norte do Parque das Nações desde 1998. Têm dois filhos, de seis e oito anos, que adoram levar a passear no Parque Tejo, um jardim de 80 hectares junto ao estuário onde conversaram com o PÚBLICO numa tarde de sol.

Atravessámos com eles a “fronteira” entre os dois concelhos, que divide o parque. “Não sentimos diferença nenhuma. Por isso é que faz todo o sentido que seja uma freguesia única, em Lisboa”, defende Teresa. Diz, sem hesitar, que o bairro é “ideal” para casais com filhos. “É uma zona segura, com muitos espaços verdes. E todos temos uma ligação, conhecemos os pais das crianças na escola”, garante André, 37 anos, arquitecto. Porém, ainda há muito a fazer, por exemplo, na educação.

Há muito que os moradores reclamam mais escolas públicas – no plano de urbanização inicial está prevista mais uma escola do 1.º ciclo na zona norte, que nunca avançou – e a ampliação das duas que já existem. “No início havia poucas crianças. Depois os jovens casais começaram a ter filhos e a querer inscrevê-los nas escolas ao pé de casa. Mas essas estavam já cheias com crianças de Moscavide e dos Olivais, zonas que nada têm a ver com o bairro”, aponta Teresa.

Para quem mora na zona que era de Loures, a tarefa tornava-se ainda mais difícil. “É muito complicado entrar, dão prioridade a quem reside em Lisboa, a quem tem irmãos a estudar nos estabelecimentos. Há quem more ao lado da escola e não tenha conseguido vaga”, diz a moradora.

Ambos depositam esperanças na nova junta de freguesia. “A Parque Expo é uma empresa, tinha outros objectivos. A junta vai servir os nossos interesses”, acredita André. O primeiro executivo da nova junta só toma posse após as eleições autárquicas de Outubro de 2013. Seis meses antes, vai ser criada uma comissão instaladora, composta por representantes das câmaras de Lisboa e de Loures e das juntas e assembleias de freguesia actuais.

No primeiro ano de funcionamento, a Junta de Freguesia do Parque das Nações vai receber do orçamento municipal 2,5 milhões de euros, segundo anunciou o autarca de Lisboa, António Costa, no início de Novembro.

Antes disso, já a 1 de Dezembro, a Câmara de Lisboa assume a gestão urbana daquele espaço. É a autarquia que vai garantir, por exemplo, a recolha e o transporte do lixo, a manutenção e limpeza do espaço público, dos jardins e dos parques infantis, a fiscalização da ocupação do espaço público, a iluminação nas ruas, a monitorização ambiental e ainda o ordenamento do trânsito.

O pacote fiscal de Lisboa para 2013, aprovado na semana passada, poderia ser outra boa notícia para comerciantes e moradores. Mas não. Ao que o PÚBLICO apurou, os munícipes ainda terão de pagar em 2013 o imposto municipal sobre imóveis (IMI) e o imposto municipal sobre transacções (IMT) à Câmara de Loures, mais alto do que o anunciado por Lisboa. Esta foi uma das contrapartidas negociadas com o Governo, a par com o perdão da dívida que a Parque Expo reclamava à autarquia (55 milhões de euros) e parte das receitas do Casino de Lisboa.

Factura da água mais barata
Quem mora na parte que pertencia a Loures, a norte do Passeio dos Fenícios – rua que fazia a fronteira entre os dois concelhos –, deixa de pagar a água três vezes mais cara do que os vizinhos do lado sul. A EPAL passará a fornecer água a todo o bairro. Fonte da empresa disse ao PÚBLICO que estão em curso “contactos” com a Parque Expo (que ainda gere o espaço até 30 de Novembro) e “estudos” para definir essa transferência.

Sem fronteiras, fica também resolvido o problema do estacionamento, cuja fiscalização fica totalmente a cargo da Emel (Empresa Pública Municipal de Estacionamento e Mobilidade de Lisboa). “Há uma rua em que às vezes não há carros estacionados [por ter parqueamento pago e fiscalizado pela Emel] e depois na parte de Loures está tudo estacionado, até camiões”, descreve André Costa, em tom de crítica.

Também a carreira 708 da Carris, que desde Julho (quando entrou em funcionamento a linha de metro até ao aeroporto) servia o extremo norte do Parque das Nações aplicando a tarifa suburbana – mais cara a partir do limite do concelho de Loures –, passa a ser da rede urbana. Os taxistas já deixaram de mudar a tarifa por poucas dezenas de metros. Aos poucos, os extremos do bairro ficam mais próximos.

O que José Moreno vê como “uma vitória” para o bairro, António Barroso de Andrade encara como um passo no caminho do tão desejado “desenvolvimento”. Reformado, com 82 anos anos, a morar há 13 no Parque das Nações, António também esperou muito por este desfecho: “As coisas têm progredido, mas foi porque se contava que isto ficasse como freguesia única.”

Agora que o futuro do Parque das Nações parece mais definido, António acredita que o bairro vai sentir as mudanças: “Vai ser mais procurado em termos económicos, por quem quer investir, e também no campo cultural.”

Dois terços do território do Parque das Nações – que ocupa 340 hectares com cinco quilómetros de frente ribeirinha – estavam no concelho de Lisboa. Mas quem foi morar para o outro terço “foi para o Parque das Nações, não foi para Loures”, afirma o morador. E acrescenta: “Se a freguesia não ficasse em Lisboa, seria defraudar e mentir às pessoas que aqui moram.”

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