Governo tem prazo curto para preparar reforma do Estado e mexidas no IRC
Portugal teve nota positiva em mais uma avaliação da troika e recebe nova tranche. Próxima revisão, em Fevereiro, vai ser um "marco", diz Vítor Gaspar. E admite: se fosse agora, teria tomado decisões diferentes
Foi a avaliação mais curta da troika desde que Portugal pediu ajuda externa e a explicação é simples: é daqui a três meses que o Governo terá de prestar a grande prova. Na sétima avaliação do programa de ajustamento, em Fevereiro, terá de estar pronto o ambicioso plano de reforma do Estado. E, nos próximos três meses, o executivo terá também de decidir as medidas para fomentar o investimento e o financiamento, que deverão incluir mexidas no IRC e uma diminuição dos juros cobrados aos bancos resgatados.
Ontem, o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, anunciou os resultados da sexta avaliação da troika. Uma vez mais, Portugal passou com nota positiva, abrindo caminho a uma nova tranche de 2,5 mil milhões de euros. Embora tanto o executivo como a equipa de ajuda externa reconheçam que os riscos aumentaram, o programa de ajustamento está a ser implementado à risca. Das medidas previstas, 95% foram já executadas ou estão em curso. "Esta capacidade de realização distingue o programa de ajustamento português", disse Vítor Gaspar. Mas o grande desafio está pela frente.
"O sétimo exame regular [da troika] é um marco importante", reconheceu ontem o ministro das Finanças, na conferência de imprensa onde anunciou os resultados da sexta avaliação. Até Fevereiro de 2013, altura em que a equipa da Comissão Europeia (CE), do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) regressa a Lisboa, o Governo terá de delinear o plano de reforma do Estado, que implica uma alteração das funções e dos serviços públicos. "Teremos de decidir que modelo queremos para o Estado e como o podemos financiar", lembrou Vítor Gaspar, dizendo que isso implicará uma "consulta mobilizadora da sociedade". Esta reforma permitirá ao Governo poupanças na despesa de quatro mil milhões de euros em 2013 e 2014.
Os trabalhos já arrancaram com uma missão técnica do FMI e do Banco Mundial, cujas conclusões deverão ser apresentadas em breve e que servirão para abrir o debate, que o Governo quer ver estendido a todo o sistema político e aos parceiros sociais. As novas medidas terão de constar já do Documento de Estratégia Orçamental, que será entregue a Bruxelas no início da Primavera.
Esta reforma do Estado, admitiu ontem o Governo, irá implicar mais mexidas na lei da mobilidade da função pública. A intenção do executivo é estender este regime a todos os sectores da administração pública e, paralelamente, reduzir os incentivos à permanência de trabalhadores no quadro de excedentários.
O secretário de Estado da Administração Pública, Hélder Rosalino, levantou um pouco mais o véu, revelando que a intenção do executivo é aplicar a outros sectores as alterações introduzidas nas carreiras médicas. Já anteriormente o Governo tinha dado sinais de querer alargar o regime de mobilidade a outras profissões, como poderá ser o caso dos professores, dos polícias ou dos militares. Contudo, realçou Hélder Rosalino, todas estas matérias terão de ser discutidas com os sindicatos.
Até à próxima avaliação da troika, o Governo terá também de avançar com medidas para assegurar um maior controlo orçamental, como é o caso da revisão da Lei de Enquadramento Orçamental e da Lei das Finanças Locais e Regionais. Mas o segundo grande desafio, depois da reforma do Estado, virá das medidas de estímulo ao investimento e ao financiamento.
"Cautela" no IRC
Até Fevereiro, o Governo propõe-se avaliar a competitividade do imposto sobre os rendimentos das empresas (IRC) praticado em Portugal com os que estão em vigor nos países da União Europeia e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). "Iniciámos um processo que conduzirá a uma reforma profunda e abrangente do IRC", disse ontem Vítor Gaspar. Em causa deverá estar, nomeadamente, uma proposta de reduzir para 10% o IRC a pagar pelas empresas que decidam fazer novos investimentos em Portugal.
Na semana passada, o deputado social-democrata Miguel Frasquilho disse que a troika tinha mostrado "abertura grande" a esta ideia, mas há um obstáculo significativo a contornar: as regras europeias em matéria de ajudas dos Estados. Ontem, o comissário europeu do Emprego, László Andor, recomendou "cautela" e lembrou que esta medida "tem de ser colocada num plano de discussão ao nível europeu" (ver entrevista nas págs. 18/19).
Além disso, Vítor Gaspar disse ontem que o Governo vai também fazer alterações à lei de recapitalização da banca, que terão de ser submetidas ao Parlamento no segundo semestre de 2013. Em causa poderá estar, ao que o PÚBLICO apurou, uma descida dos juros cobrados aos bancos que recorreram à linha de apoio concedida pela troika, no âmbito do pacote de ajuda externa. Isto porque, considera o Governo, o elevado peso destes juros (cerca de 8,5%) estarão a limitar a capacidade de as instituições financeiras resgatadas (até agora o BCP e o BPI) de financiar a economia a custos mais baixos.
Para o Governo, estas medidas de estímulo são essenciais para assegurar o sucesso do programa, numa altura em que a economia se encaminha para mais um ano de recessão e os riscos aumentaram (ver pág. 4). Aliás, mesmo reafirmando a sua receita, Vítor Gaspar fez ontem uma espécie de mea culpa. Questionado pelos jornalistas sobre se teria agido de forma diferente, depois de vistos os resultados das medidas tomadas, o ministro respondeu: "Claramente sim, aprendemos sempre nos processos em que estamos envolvidos".