Caminho(s) Único(s)

A democracia assenta na escolha livre e responsável de caminhos alternativos. Não há caminhos únicos ao contrário do que nos apregoam

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julien mrt/Flickr

Estranho tempo este em que vivemos ditados pelas estrelas. Quem imaginaria que esse quadro bíblico seria agora transposto para a sociedade moderna, cosmopolita e globalizada. O caminho das estrelas é aquele trilhamos, dia após dia, decisão após decisão, medida após medida.

Seguir as estrelas é, agora, confortante porque retira de nós a responsabilidade e preocupação de encontrar soluções, questionar, explicar e decidir. Retira de nós a democracia.

A democracia assenta na escolha livre e responsável de caminhos alternativos. Não há caminhos únicos ao contrário do que nos apregoam. Hoje o discurso é o do fatalismo e do apocalipse, na lógica da inevitabilidade celeste que ultrapassa a questionação e a razão. Prosseguir ou perecer como se votar e escolher fosse um ato administrativo e tudo o resto uma mera formalidade. É “este caminho” ou a fatalidade épica dos tempos modernos. Este discurso assenta numa falta de cultura democrática e de interrogação que está enraizada na cultura portuguesa.

Quase quarenta anos passados desde o 25 de Abril o nosso sistema de ensino rejeita a interrogação constante dos estudantes rotulando-as de insolência e insubordinação. Ao contrário de outros países em que as aulas são diálogos intermináveis e em que estudantes contrapõem as teses e teorias dos seus Mestres. Quantas e quantas famílias não conversam com os seus filhos a pretexto de serem “conversas de adultos” ou as impedem de questionar livremente opções e atitudes familiares ou da sociedade? Quantos e quantos “chefes” não impõem as suas regras de forma cega e sem qualquer preocupação pela visão e criativa de quem chefiam? Aqui, mantemos cristalizada a hierarquização da sociedade.

Em tempos de crise cresce a prepotência dos poderes fortes e poderosos. A sua iluminada sapiência teima em guiar um caminho em que a troca de ideias e pontos de vista é motivo de “alarmismo dos mercados” e de “perigo para Portugal”. Ideal mesmo seria retirar todas as pedras (leia-se Constituição e Leis) deste caminho para que nada comprometa o seu destino final. Em resumo, tal como no sistema feudal, os esclarecidos têm a razão mesmo sem a explicar e os outros têm a obrigação de não atrapalhar e ficar ajoelhados na berma do caminho de cabeça, alma e mão estendida.

O baixar de braços é fruto de um conjunto imenso de fatores onde se inclui a noção de inevitabilidade. Porque devem os desempregados procurar emprego se é inevitável o aumento do desemprego? Porque devem os pobres procurar sair da miséria se a miséria alastra diariamente?Porque devemos pugnar por um país melhor se nos dizem que só há este caminho?

Recuso este fatalismo! Rejeito a hipótese dogmática do caminho único e da unicidade em democracia! A mudança comportamental e democrática é uma das reformas estruturais mais prementes para a melhoria social e económica de Portugal. Mais exigência e rigor em todos os sectores sociais com transparência e maior prestação de contas. Em nome da democracia.

"A fatalidade do não - ou a nossa própria fatalidade - é que não há nenhum não que não se converta em sim."

José Saramago, in Folha de S. Paulo

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