"Não nos deixaram ir à casa de banho, não nos deixaram sequer fazer um telefonema"

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Patrícia de Melo Moreira/AFP

Apesar das denúncias feitas nas redes sociais e por alguns advogados ouvidos pelo PÚBLICO, que falam de 120 pessoas detidas para identificação, a PSP garante que apenas 21 foram identificadas na sequência dos distúrbios após a manifestação desta quarta-feira, junto ao Parlamento, em Lisboa. O PÚBLICO falou com um dos detidos, que relata horas de pânico desde a detenção até ao momento em que foi libertado.

R.R, de 25 anos, preferiu afastar-se da linha da frente da manifestação em São Bento. Quando a polícia avançou sobre os manifestantes, estava longe das pessoas que arremessaram, durante mais de uma hora, pedras da calçada e garrafas ao cordão policial na escadaria da Assembleia da República. “Quando começou a carga policial, fomos forçados a correr pela avenida D. Carlos I, para fugir aos polícias, que começaram atacar as pessoas de uma forma completamente aleatória”, descreve.

Afastados da confusão, R. e os amigos entraram num café onde encontraram alguns colegas que também foram à manifestação. “Pensávamos que eles iam simplesmente libertar a zona em frente ao Parlamento. Ficámos no café ainda algum tempo, onde fomos vendo as notícias na televisão”.

Quando as coisas ficaram “mais calmas”, ou quando assim o pensavam, R. e a namorada decidiram sair do café e foram caminhando por ruas interiores, afastando-se da polícia e em direcção ao Cais do Sodré. A cerca de 30 metros da paragem de metro, acabaram por parar “à conversa” com algumas pessoas amigas.

“Pouco depois de termos parado começámos a ouvir tiros de balas de borracha e a ver muita gente a fugir, vinda de Santos e em direcção ao Cais do Sodré”, conta. “Como ficámos assustados começámos a correr também”, justifica. No entanto, mais à frente, “havia uma espécie de emboscada, com polícias à paisana que deitaram pessoas à cacetada no chão”.

R. garante que as pessoas não estavam a oferecer resistência, mas nem isso abrandou o tratamento hostil dos polícias. “Deviam era estar em casa a estudar”, disseram os agentes aos jovens que estavam no local.

Foram detidas 21 pessoas. Uma delas, descreve R., “estava ferida na cabeça, a sangrar devido às cacetadas dadas pelos agentes da polícia”. E acrescenta: “Não lhe foi prestado qualquer auxílio e acabou por ser detida connosco”. “Algemaram principalmente os homens e começaram a levar as pessoas para dentro das carrinhas azuis da PSP, com os pulsos atados com braçadeiras, da forma mais dolorosa possível”, sublinha.

Em momento algum lhes foi explicado o que estava a acontecer nem para onde iriam ser levados. A PSP retirou-lhes os objectos pessoais, como é habitual nestas situações.

Quando chegaram ao destino, apenas se terão apercebido que não se tratava de “uma esquadra normal” e foram divididos, por género, em celas. Estavam na esquadra especial do Tribunal de Monsanto. “Não nos deixaram ir à casa de banho, não nos deixaram sequer fazer um telefonema nem recorrer a nenhum advogado”, conta.

Entre os detidos estava um menor, com cerca de 14 anos, à qual também foi negada a possibilidade de contactar os pais. Pouco a pouco, foram sendo identificados. “Perguntaram-nos a morada, a profissão e obrigaram-nos a assinar papéis que não estavam preenchidos. Ou seja, fomos forçados a assinar papéis que nos permitem ser acusados de qualquer coisa, desde crimes contra o património a tráfico de droga, uma vez que tinham a causa da detenção em branco”, descreve R.

Desde o momento da detenção, por volta das 19h, até serem libertados, passaram cerca de três horas. Durante todo este tempo, alguns dos amigos que assistiram à detenção procuraram de “esquadra em esquadra” por R. e pelos seus colegas. “Os polícias estavam a dar informações falsas e contraditórias sobre a nossa localização”, afirma.

Acabaram por conseguir encontrá-los através de uma jornalista, que sabia onde estava a ser feita a identificação. Sobre o episódio, R. critica a forma como as detenções foram feitas e afirma que “se os polícias quisessem podiam ter agido sobre quem estava na linha da frente a atirar as pedras e a gerar violência, mas preferiram fazê-lo de uma forma aleatória e brutal, num espectáculo para os meios de comunicação social”.

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