Reeleição de Obama gera optimismo moderado para a agenda climática

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Obama citou as alterações climáticas no seu discurso de vitória Saul Loeb/AFP
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Foto: Jason Reed/Reuters

As organizações ambientalistas norte-americanas respiraram de alívio com a reeleição de Barack Obama. Do centenário Sierra Club, que abre o seu sítio na Internet com uma grande foto do Presidente, à crítica Greenpeace, que se mostrou “aliviada”, transpira uma sensação comum de que, para a temperatura do planeta, Obama é melhor do que Romney.

Há mais certezas sobre o que se evitou sem Romney – um céptico da culpa humana no aquecimento global – do que sobre o que se pode ganhar com Obama. O Presidente reeleito deixou, no entanto, sinais importantes em dois momentos do seu discurso de vitória. Num deles, definiu a sua visão para o país, colocando a questão do clima ao lado dos problemas financeiros e sociais. “Queremos que as nossas crianças vivam numa América que não esteja sobrecarregada pelas dívidas, que não seja enfraquecida pelas desigualdades, que não seja ameaçada pelo poder destruidor de um planeta a aquecer”, disse.

As alterações climáticas começaram por ser uma prioridade do primeiro mandato de Obama. Logo em meados de 2009, a Câmara dos Representantes aprovou uma lei que instituiria um sistema de comércio de emissões de CO2 no país, semelhante ao europeu. Seria o primeiro instrumento do género a nível federal, impondo tectos de emissões para vários sectores industriais. Mas o Senado chumbou a proposta no ano seguinte e a administração Obama deixou a iniciativa de lado.

O Presidente concentrou-se, de qualquer forma, naquilo que estava sob a sua tutela directa e avançou com vários passos regulatórios, através da sua Agência de Protecção Ambiental. Foram fixados limites de emissões para as novas centrais térmicas e reforçadas as normas de eficiência energética para os automóveis. As renováveis também tiveram impulso. “No seu primeiro mandato, a administração Obama fez progressos reais para reduzir emissões danosas e redireccionar o país para energias mais limpas”, avalia Andrew Steer, presidente do World Resources Institute, num depoimento difundido após a reeleição.

“Obama foi o primeiro Presidente norte-americano a articular claramente uma visão da América a liderar o mundo rumo a um futuro com energias limpas, que possa enfrentar o desafio de um clima em mudança”, concorda o director do Sierra Club, Michael Brune, no seu blogue “Coming Clean”. “Agora, tem mais quatro anos para cumprir estas promessas”.

Kumi Naidoo, líder da Greenpeace, também saudou a reeleição de Obama logo no dia da vitória. “Senti-me aliviado quando ouvi o discurso de vitória esta manhã”, afirmou. “O meu alívio vem do entendimento de que Barack Obama comunga da nossa visão”, completou.

Apesar disso, a Greenpeace não vê o Presidente como um campeão ecologista, dizendo que Obama não fez o suficiente. “Estamos cautelosamente esperançosos que, no seu segundo mandato, [Obama] usara mais o seu capital político para fazer avançar a agenda das alterações climáticas em casa, mas também globalmente”, disse Naidoo.

O segundo mandato traz a vantagem de ser o último de Obama: sem a pressão de ser reeleito, o Presidente pode teoricamente ousar mais em medidas controversas. Além disso, o furacão Sandy – que varreu a costa Nordeste dos EUA, deixando mais de 100 mortos, milhares de desalojados e milhões sem electricidade – ajudou a recolocar o tema das alterações climáticas no centro das atenções públicas, tal como acontecera com o Katrina, em 2005.

O Sandy interrompeu o que a imprensa norte-americana vinha chamando de “silêncio climático” na campanha eleitoral, quando o tema esteve ausente dos debates entre Romney e Obama. E pode ter tido influência nos resultados. “Sondagens à boca de urna confirmam que, para milhões de eleitores, o furacão Sandy e as alterações climáticas foram factores decisivos nesta eleição”, afirma Fred Krupp, presidente da Environmental Defense Fund, numa nota publicada na página da organização na Internet.

Mesmo com um momento favorável, Obama terá pela frente, porém, dois grandes obstáculos: um Congresso hostil – com maioria republicana na Câmara dos Representantes e uma maioria democrata escassa no Senado – e um assunto premente para resolver em primeiro lugar, a subida automática de impostos e cortes cegos nas despesas públicas previstos para Janeiro.

As negociações de uma alternativa ao temido “abismo fiscal” com os republicanos podem acabar por ter efeitos noutras áreas em que os dois partidos vão certamente entrar em choque, incluindo a do aquecimento global. “O grande desafio será como enfrentar uma ameaça séria, como é a das alterações climáticas, num contexto político e económico de grande incerteza”, diz o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, que há anos participa nas negociações internacionais sobre o clima. “O sinal político mais relevante foi Obama ter referido o tema das alterações climáticas no seu discurso. A questão central é perceber o nível de prioridade que vai dar ao tema”, completa Lacasta.

Ao longo dos próximos quatro anos na Casa Branca, Obama vai ser confrontado com dois momentos particularmente importantes. O primeiro ocorre já em Setembro de 2013, quando o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) divulgar o seu próximo relatório de avaliação do ponto em que estamos em relação ao problema. Um dos resultados mais prováveis será a confirmação de que o aquecimento do planeta está a seguir os piores cenários.

Obama terá em mãos, também, a responsabilidade de negociar um novo tratado internacional para o clima, que deverá ser aprovado em 2015, para entrar em vigor em 2020. As posições externas norte-americanas nesta matéria estão sempre, porém, limitadas em última análise pelo Congresso. Este factor, mais a imprevisibilidade histórica do calendário de decisões da ONU sobre o clima, deixa na prática tudo em aberto.

Noutro momento do seu discurso de vitória, Obama deixou uma mensagem dúbia, dizendo que negociaria com ambos os partidos medidas não só para reduzir o défice e mexer nas leis de imigração, mas também “para nos libertar do petróleo estrangeiro”. Aí possivelmente estará a intenção da administração em reforçar o sector das energias renováveis, que têm vindo a crescer nos EUA. Mas a mensagem também pode ser lida à luz da aposta nos combustíveis fósseis não-convencionais, como o gás de xisto ou as areias betuminosas, cuja extracção levanta grandes inquietações pelo seu impacto no ambiente. “Esta frase não nos sossega muito”, teme Viriato Soromenho Marques, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, consultor do presidente da Comissão Europeia para a área climática e ex-director do Programa Gulbenkian de Ambiente.

Algumas mexidas na equipa de Obama poderão trazer novo fôlego à questão das alterações climáticas. O nome do senador John Kerry – um defensor de medidas federais mais consistentes para combater o problema – é um dos que mais têm sido falados para substituir Hillary Clinton à frente da diplomacia norte-americana. Isto poderia ter algum impacto na postura norte-americana nas negociações internacionais. Mas, no fundo, tudo dependerá do que Obama conseguir a nível interno, com os republicanos.

Com tantas limitações, Viriato Soromenho Marques vê este segundo mandato de Obama apenas com “optimismo moderado”. O Presidente ainda poderá usar do seu poder junto da opinião pública e dos políticos. Soromenho Marques cita o exemplo de Theodore Roosevelt, que em 1908 convocou todos os governadores norte-americanos para discutir o futuro do país. “Nunca mais se fez algo semelhante”, afirma e resume: “Obama tem de escolher as causas pelas quais ser recordado”.
 
 

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