Perdidos na cabeça de Kevin Parker

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Apetece proclamar que os Tame Impala são a melhor nova banda do mundo. Exagero imprudente? O que é que isso importa quando temos um disco como "Lonerism"?

Apanhamos Kevin Parker a viajar num autocarro, "algures entre a Suécia e a Noruega". Pela voz parece estremunhado, mas pode ser o sotaque australiano (para mais filtrado pela ligação telefónica) a tramar-nos.

Depois de uma pacata existência em Perth, capital da Austrália Ocidental, a quatro mil quilómetros de Sydney, Kevin saltou, de uma penada, para o mundo dos discos aclamados e das longas digressões internacionais. A culpa é de Innerspeaker, o álbum de estreia dos seus Tame Impala. Nesse disco de 2010 (o melhor do ano para a instituição Rolling Stone), Parker propunha o que parecia ser, numa primeira audição, um maravilhoso espelho retrovisor sobre a história da pop e do rock psicadélicos - estavam lá as melodias imaculadas dos Beatles, o céu em devir de guitarras dos Cream, mil e uma referências. Mas o espelho era, na verdade, um caleidoscópio que devolvia visões de um passado glorioso com resultados profundamente contemporâneos, particularmente visíveis na forma como Kevin cosia múltiplas camadas de instrumentação.

Em Outubro, Kevin deu-nos mais um conjunto de canções notáveis, Lonerism. De novo, é ele que toca praticamente todos os instrumentos (por isso mesmo, já reconheceu ser difícil perceber se os Tame Impala são uma banda ou um projecto a solo). Gravou no seu estúdio caseiro em Perth (também houve sessões de gravação em Paris) e voltou a ter a ajuda do produtor Dave Fridmann (Flaming Lips, Mercury Rev, MGMT).

Para ele é tudo uma questão de "aperfeiçoar o ofício" de fazer canções. Começou a criá-las aos 12 anos, fase em que ia gravando vários instrumentos de forma rudimentar, com dois gravadores. Os Tame Impala surgem nessa tradição de bricolage caseira de fantasias musicais. "Lentamente, tornei-me melhor a fazer música. Lentamente, tornou-se parte da minha vida", conta.

É uma arte que Kevin gosta de fazer sozinho, mesmo que a vida de estrada lhe tenha dado uma banda. "Gosto da minha música com os outros gajos, mas sou mais criativo e expressivo quando estou a fazer canções sozinho", confessa-nos.

Os títulos das canções denunciam essa obsessão com a solidão. O primeiro álbum chama-se Innerspeaker (como que sublinhando a ideia de que as canções vêm do interior da cabeça de Kevin) e tinha uma canção chamada Solitude is bliss ("There's a party in my head and no one's invited", canta-se). Lonerism, o título do novo álbum, diz da solidão partilhada sobretudo por "‘esquisóides', marginais, solitários, ninjas, heróis de shaolin e geeks" (segundo definição do Urban Dictionary).

De novo a solidão. Mas "há uma diferença". "O álbum anterior era sobre estar fisicamente sozinho e o quão glorioso isso é. Este álbum é sobre estar fisicamente com outras pessoas e sentir-me sozinho. É sobre tentar ligar-me a pessoas", distingue. Como disse à Spin: "Para mim, a música é preencher um vazio. Mas tens de enfrentar esse vazio se queres tentar preenchê-lo".

A melhor canção de sempre
Como indica o título de Innerspeaker, para Kevin Parker fazer música é uma questão de pôr cá fora as melodias perfeitas que habitam na sua cabeça. "Geralmente, tenho uma ideia para uma canção, pode não ser muito grande. Quanto mais penso nela, mais claro é o que vãofazer a guitarra, o baixo...", explica. "Muitas vezes é uma questão de gravar isso o mais cedo possível antes que me esqueça. Como tenho muito má memória, esqueço-me da maior parte das canções em que penso."

Kevin não o assume, mas é um perfeccionista. Demora pouco tempo a fazer o esqueleto de uma canção (a maior parte dos mortais consideraria essa base um belíssimo produto final), mas perde meses com os detalhes. A "melhor canção de sempre" pode tornar-se, no dia seguinte, a "pior". Como resolve os dilemas do processo de criação? "Não sei, não há resolução. Temos apenas de esperar até nos apaixonarmos de novo [pela canção]. Não podes assegurar que vais gostar sempre dela. Aliás, quanto mais trabalhas nela, mais pensas nela, mais perdes perspectiva de como soa para o mundo exterior, de como objectivamente soa. São os custos de trabalhar tão intensamente".

As canções que resistem a este processo de aperfeiçoamento são as que ficam nos discos. E há álbuns que ficam na gaveta, como um épico prog-pop que não viu a luz do dia (Parker apaixonou-se pelos sintetizadores, mas, a meio do processo, deixou que as guitarras tivessem o seu espaço em Lonerism).

Antes de Lonerism ser editado, louvou publicamente discos como A Wizard, A True Star (1973), de Todd Rundgren, e bandas como os Supertramp. As referências fazem particular sentido: os Tame Impala parecem imaginar um futuro para o rock dos anos 70, oferecendo uma visão alternativa da história em que o punk nunca existiu.

Talvez assim possamos enterrar a ideia de que os Tame Impala são uma mera banda retro (não são), ao mesmo tempo que reconhecemos as suas influências. "As pessoas ouvem o que querem ouvir. Se ouvem apenas um revival dos anos 60... que seja. É desapontante, mas desde que algumas pessoas compreendam que há mais coisas modernas do que coisas retro... No fim de contas, não me importa muito o que as pessoas pensam".

Talvez os Tame Impala soem frescos porque nos remetem para uma era em que a pop comercial era perigosa, excitante, imprevisível, doida varrida (ouça-se o tal A Wizard, A True Star de Rundgren). "Sempre adorei a ideia de música pop, mais do que a música pop propriamente dita. Tem esta inocência, esta emoção, esta pureza, que outras músicas, mais intelectuais, não têm. Com a música pop só tens de deixar que ela te afecte, sabes?"

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