Don Pasquale, comédia para a família
Se quiser divertir-se um pouco através de uma das mais populares óperas cómicas de Donizetti, e não exigir com isso ficar extasiado, pode dirigir-se ao Teatro Nacional de São Carlos hoje ou nos dias 8 e 10 e assistir a Don Pasquale: história de um velho abastado que decide casar-se, ao mesmo tempo que pretende deserdar o seu sobrinho, apaixonado por uma viúva sem posses.
É sabido que as restrições de orçamento e planeamento que afectam o nosso único teatro de ópera são graves: daí resultam o subaproveitamento dos seus recursos próprios e a impossibilidade de organizar uma temporada regular. As dificuldades talvez expliquem que o presente espectáculo adopte uma produção alheia (do Teatro La Fenice de Veneza) e que o elenco de cantores seja algo desequilibrado. Houve, porém, critério na escolha da produção: a encenação de Italo Nunziata, completada por figurinos e cenografia de Pasquale Grossi e desenho de luz de Patrick Latronica, é inteligente, ágil e económica. O encenador situou a ópera perto de 1930 e jogou (sem abuso) com as imagens cinematográficas de então. O grande achado cénico foi a divisão do palco em três zonas comunicantes mas bem delimitadas, o que multiplicou as combinações e movimentações. Nesta base, emergiu uma direcção musical (de Carlo Rizzari) que se distinguiu pela energia transmitida à orquestra, cujos metais poderiam ter sido levados a dar mais valor à perfeição. O coro, vocal como cenicamente, teve um desempenho notável. Os solistas, à parte uma intervenção do notário (bem interpretado por Frederico Santiago) não são mais que quatro: Don Pasquale (José Fardilha), Norina (Eduarda Melo), Dr. Malatesta (Yanni Yannissis) e Ernesto (Mathias Vidal). É neste elenco que o espectáculo mostra as maiores limitações.
O conhecido barítono José Fardilha, no papel principal, tem uma interpretação soberba, na segurança artística e na graça que empresta à personagem; domina todos os registos, incluindo o mais grave. O barítono grego Yannissis move-se e canta com a desenvoltura da experiência, mas a voz flui com dificuldade em passagens rápidas carregadas de notas. O jovem tenor francês Vidal evidencia garra interpretativa, riqueza tímbrica e sólida técnica vocal, sem roçar a excepcionalidade. Já a jovem soprano Eduarda Melo, no segundo papel mais importante desta ópera, foi porventura um erro de casting motivado pela impossibilidade financeira de contratar uma cantora consagrada. Justamente aplaudida pelo público pela entrega artística, pelo talento de actriz, clareza vocal, correcção musical e óptima prestação nos números de conjunto, tem uma voz que não surge ainda suficientemente densa, dúctil e amadurecida para o seu solo, deixando a sensação de uma presença menor, demasiado ligeira na afirmação do texto, sem chegar a ser leve no floreado vocal. Este papel surgiu cedo de mais no decurso de uma carreira que se espera dê ainda muitos e bons frutos.