O "Euromilhões" oferecido à Olivedesportos

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O Governo acaba de retirar os jogos da Liga de futebol e das competições europeias de clubes da lista dos eventos de interesse do público, o que afasta estes espetáculos desportivos das grelhas de programas dos operadores de acesso livre (RTP, SIC e TVI), limitando o direito à informação.

A chamada "lista dos acontecimentos de interesse generalizado do público", anualmente divulgada pelo Governo, ouvida a ERC, representa um limite à aquisição de direitos exclusivos, justificado em nome do direito dos cidadãos à informação. Prevista na diretiva europeia dos Serviços de Comunicação Social Audiovisual, visa assegurar que os operadores que emitam em acesso condicionado ou sem cobertura nacional "não transmitam com caráter de exclusividade acontecimentos que esse Estado-membro considere de grande importância para a sociedade, privando assim uma parte considerável do público (...) da possibilidade de acompanhar esses acontecimentos (...) na televisão de acesso livre".

Em Portugal, na prática, essa lista induz a tradicional detentora dos direitos de transmissão de grande parte dos eventos desportivos mais populares, a Olivedesportos/Sport TV, a negociar com a RTP, a SIC e a TVI os direitos que possua sobre a sua transmissão, com o objetivo de, através desses operadores, tornar esses espetáculos acessíveis a toda a população e não apenas às famílias que disponham de ligação às redes de cabo e similares e paguem os respetivos canais de acesso condicionado. Por outro lado, ao estabelecer que os detentores dos direitos de transmissão teriam de facultar o seu acesso a outros operadores "em condições normais de mercado" e ao atribuir à ERC poderes para arbitrar com caráter vinculativo a ausência de acordo numa negociação sobre os valores relativos à venda dos respetivos direitos, o legislador quis garantir que a transmissão desses eventos em canais de acesso livre não ficaria impossibilitada por qualquer exigência de um pagamento exorbitante.

Neste contexto, a recente lista relativa a 2013, aprovada há poucos dias pelo Governo, é não só absolutamente surpreendente como, sobretudo, gravemente lesiva do direito dos cidadãos ao acesso a esses acontecimentos.

Em primeiro lugar, foi retirado o jogo por jornada da Liga de futebol, que constava de todas as listas desde 1997, ano em que este mecanismo foi adotado. Isso significa que fica reservado à Olivedesportos, que detém atualmente os direitos de transmissão desses espetáculos desportivos, o exclusivo desta competição, cabendo-lhe decidir, sem qualquer mediação ou arbitragem, se vende ou não esses direitos, bem como o respetivo montante, caso considere a hipótese de os vender. Na prática, o Governo acaba de entregar a essa empresa a capacidade de decidir se os portugueses sem ligação às redes de cabo e similares e sem poder económico para a assinatura daquele canal desportivo podem ou não ter acesso a alguns dos jogos da principal competição desportiva nacional. É verdade que, nesta época desportiva de 2012-2013, os direitos de transmissão têm permanecido na Sport TV, dado o aparente desinteresse dos operadores RTP, SIC e TVI em os adquirirem pelo preço exigido. No entanto, a exclusão desta competição da lista anual tranquiliza a empresa detentora dos direitos: estes apenas poderão ser negociados pelo preço que ela impuser, inexistindo qualquer arbitragem da ERC que garanta um preço mais baixo e o acesso de todos os portugueses a essa transmissão, se qualquer daqueles operadores ainda ambicionasse transmitir o tradicional jogo por jornada...

Em segundo lugar, a lista relativa a 2013 não inclui a participação nas competições europeias de futebol ou até de um clube português numa final de uma competição europeia de futebol, ao invés do que sucede com outras modalidades desportivas, bem menos populares. Se for de hóquei, basquetebol... o evento é de interesse público. Se for uma final de futebol, já não é de interesse público! Deste modo, o detentor dos direitos de transmissão de uma final europeia de hóquei em patins, andebol ou basquetebol, por exemplo, em que participe uma equipa portuguesa terá de os negociar com a RTP, a SIC ou a TVI, se qualquer destes operadores assim o quiser, sujeitando-se a uma arbitragem da ERC que vise garantir a transmissão dessa competição em sinal aberto. Mas se um clube português de futebol chegar à final da Liga dos campeões europeus ou da Liga Europa, o jogo poderá ser emitido por um canal de acesso condicionado como a Sport TV, se for ele que tiver adquirido os respetivos direitos de transmissão, de nada valendo o direito dos portugueses à informação...

Estas insólitas alterações na lista dos acontecimentos de interesse generalizado do público foram justificadas com "o atual contexto que o sector da comunicação social atravessa". O argumento não colhe. As acrescidas dificuldades dos operadores de acesso livre (RTP, SIC e TVI) em adquirirem direitos de transmissão não invalidam a obrigação do Estado de garantir os direitos dos cidadãos à informação. Ao contrário do que alguns pensam, a lei não obriga a RTP, a SIC ou a TVI a adquirir direitos de transmissão, mesmo de acontecimentos relevantes. Mas não deve, como agora sucede, colocar obstáculos se e quando essa intenção existir!

A Olivedesportos tem todas as razões para estar grata ao Governo. Os portugueses, não...

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