Chamar casa ou não, eis a questão

Os emigrantes habituam-se a tudo. A viver onde nunca pensaram, a partilhar aquilo que jamais era partilhado, a viver num nono andar sem elevador, a lavar a roupa à mão. Nós por cá, em Moçambique temos uns quantos hábitos que já nem damos por eles mas que dão muitos nas vistas a vocês por aí. Há quem chame adaptar, outros apenas viver

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moron noodle/Flickr

Já não é novidade para ninguém que as casas em Maputo são um balúrdio. É certo que não é uma Luanda, onde um estudo recente da Deloitte avaliou o preço por metro quadrado em 150 dólares, mas também não é uma Nova Iorque para os preços dos “flats “ , vulgos apartamentos, serem tão caros. Em média, paga-se cerca de 1500 dólares por um T2 numa zona central e segura, não mobilada e do tempo dos portugueses, que é como quem diz: construção dos anos 50 sem qualquer remodelação entretanto.

Uma particularidade costuma ser o elevador que, não raras vezes, “não funciona desde que foi construído”. Isso para não falar nos T1 – pobres dos tantos que gostavam apenas de ter uma casa pequenina no centro. As casa em Maputo são para famílias e as famílias do antigamente precisam de muito espaço para toda a prole e empregados.

Assim, casas de um quarto não há ou há muito poucas e, lei da oferta e da procura, os preços são praticamente os mesmos que das casas com dois ou mais quartos. Triste mas verdadeira estória embora muitas vezes com final feliz: com sorte, após a visita a umas dezenas de "flats" com outra mão cheia de “agentes imobiliários” de renome do boca a boca, lá se recebe um e-mail de um amigo do amigo que vai embora para a terra e ocupa-se o lar a um preço mais razoável ou em melhores condições.

Depois, lá se vai à Costa do Sol — a marginal cá do sitio — comprar mobília de palhinha, umas esteiras para cobrir o chão em mau estado e capulanas para os cortinados. Resta tudo o resto. Então, para terminar o processo, uma das ajudas às famílias e jovens casais e solteiros, que para cá se mudam,está na África do Sul e chama-se Nelspruit aka Mbombela.

Trata-se de uma localidade construída para moçambicanos e estrangeiros que cá vivem, que foi crescendo à medida do interesse destas gentes em adquirir bens que vão desde pastas dos dentes, passando por carros e roupas a bons preços, mas de mau corte. Lá, apenas a três horas de Maputo — dependendo da dificuldade em passar a fronteira de Ressano Garcia, daquelas à documentário sobre África, com mais gente a cruzá-la a pé que de carro e pessoas mais carregadas na cabeça que alguns carros ( não os chapas, transportes públicos privados que nada têm a ver com as parcerias, apenas pertencem a todos e a ninguém). Então lá vão os "portugas" e outros estrangeiros e moçambicanos, carro cheio de gente e bagageira vazia para encher o mais possível e rezar para que na volta não sejam parados pela famosa simpática polícia que tem sempre uma palavra a dar no que toca a contraordenações improvisadas segundo o condutor.

E lá vamos enchendo os nossos lares, com fotos impressas a folhas brancas A4, candeeiros qual IKEA e pratos desemparelhados, mas que numa qualquer fina tasca da capital de Portugal seriam um sucesso. Dizem os avós que a necessidade cria o engenho e aqui mais que nunca. As paletes de madeira viram camas, as de plástico mesas de apoio e há sempre tempo e espaço para receber os amigos: cada um trás uma coisa, qual "potluck", e alguns até pratos e grafos que as famílias ainda são pequeninas e os primos e tios são os amigos.

Bem-vindos a África, bem-vindos ao novo modelo que já não é assim tão novo, onde nada se perde, tudo se transforma.

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