Têxteis portugueses querem vestir a China, ou pelo menos parte dela

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Vendas de têxteis portugueses para a China estão a registar um forte crescimento este ano Adriano Miranda

Apesar das dificuldades, há empresários portugueses da área do têxtil que estão empenhados em entrar no mercado chinês. Não querem o mercado todo, apontam apenas para alguns segmentos.

A conversa com Joana do Bem, representante da Somelos Tecidos na Intertextile de Xangai 2012, a maior feira de tecidos do mundo, é várias vezes interrompida. Cada vez que chega um cliente para espreitar amostras, Joana do Bem levanta-se, cumprimenta o interessado, conversa, tenta fazer negócio. Fá-lo em mandarim, o que ajuda bastante num país onde os problemas de comunicação são, a par das políticas proteccionistas, as principais dificuldades que os empresários portugueses enfrentam quando tentam entrar no mercado gigante que é a China.

A representante da Somelos Tecidos é das poucas que dispensam um agente. Tem um apenas para algumas regiões do país. De resto, sempre que consegue, é ela quem dialoga directamente com o cliente. Não se esforçou apenas por aprender a língua, mas por perceber a cultura chinesa. Hoje está à vontade a atendê-los, no seu stand, no pavilhão de Portugal situado logo numa das entradas da feira, que contou no total com 3300 expositores de cerca de 30 países, e decorreu de 22 a 25 de Outubro.

Embora já tivesse estado no mercado chinês, a Somelos parou uns tempos para voltar à carga há quatro anos. Neste momento, apesar de venderem ainda entre 5% e 10%, estão "a crescer": "Temos expectativas de que seja um mercado em expansão. Há na China mercado e marcas à procura de têxteis de elevadíssima qualidade e de moda", diz a representante, frisando que, como "a China é um continente", não existe a pretensão de cobrir o mercado inteiro, mas trabalhar apenas para um segmento.

Apesar da "oferta têxtil muito elevada" que existe neste país, a representante da Somelos Tecidos explica que oferece aos clientes "os trends europeus, a qualidade, e o design": "Vendemos essencialmente para marcas chinesas de luxo, luxo, luxo. Temos de estar sempre na vanguarda. Entender os clientes, o que querem", diz.

Joana do Bem chegou à China em 2000, e há cerca de quatro anos abriu o escritório da Somelos em Hong-Kong, onde hoje vive, apesar de andar por todo o país.

O made in Portugal

A estratégia das empresas portuguesas para abordar o mercado chinês é semelhante: procuram vender sobretudo produtos específicos, orientados para segmentos de topo muito bem definidos.


O grande concorrente neste sector de moda, design e qualidade é Itália, que deu que falar na feira. Se os portugueses se fizeram representar por seis empresas, os italianos reuniram 124 no pavilhão Milano Única.

"Os gostos deles [na China] têm muito que ver com a moda italiana. Falta-nos o made in Portugal valer o mesmo que o made in Italy", diz Carlos Bacelar, o representante da Arco Têxteis na feira de Xangai. "Mas os clientes já começam a reconhecer o nosso valor", ressalva. A flanela portuguesa é um exemplo: "Consideram-na o Rolls Royce da flanela. E estão dispostos a pagar mais", conta.

Quanto à China, Carlos Bacelar não esconde as dificuldades que enfrenta: "Já temos clientes chineses, mas é difícil entrar. Tem de se ter um bom parceiro, um agente na China." É este agente que estabelece a ponte para todos os negócios: deve dominar a língua, ter conhecimento do mercado, perceber quem são os clientes interessantes e proteger os produtos das cópias.

Na opinião de Carlos Bacelar, a China tem uma grande produção de tecidos, mas "falta-lhes o design": "O que vendemos aqui são tecidos para camisaria fina com acabamentos muitíssimos bons, coisas requintadas. O preço não é problema. Vendemos para clientes que pagam mais para ter este produto sofisticado", garante.

A Arco Têxteis anda a "marcar passo" na China, e no mercado asiático em geral, desde 2001. Por volta de 2003 começaram a vender, mas "muito pouco". Em 2008 alcançam os 5% e, desde então, têm vindo "constantemente a crescer".

Ana Vaz, representante da Riopele, chegou uma semana antes de a feira começar à China, e aproveitou para visitar clientes, sempre acompanhada por um agente que fale a língua e conheça o universo do têxtil no país. A Riopele, cujo volume de facturação anual na área de tecidos é de 50 milhões de euros, exporta 98% da sua produção (metade para os EUA, Espanha e Alemanha). A China é actualmente o terceiro mercado desta empresa na Ásia, depois do Japão e da Coreia do Sul. No total, a Ásia representa 5% das vendas da empresa.

Golfe e banho

Outra das empresas presentes, a Lemar, surge representada na feira por Alfredo Araújo e Armindo Araújo (o corredor de ralis). São pai e filho - a mãe, a cabeça da fábrica, estava na mesma altura em Tóquio, também em trabalho.


Apesar de os tecidos da Lemar terem inúmeras aplicações - banho, sportswear, fatos de Fórmula 1, carrinhos de bebé -, o produto que levaram até à China é muito específico: linha de golfe e de calções de banho para homem. "Como estamos a apostar no sector banho, fomos obrigados a mudar de continente para termos mercado todo o ano", explica Alfredo Araújo.

No fabrico dos tecidos só usa produtos europeus "com alta qualidade e design": "Há um segmento que procura qualidade e inovação, e também a designação e etiqueta europeias", acrescenta. São esses os motivos que levam os clientes chineses a pagar mais pelo produto português: "Reconhecem mais-valia no produto. Vêm o toque, a performance do tecido. O facto de terem elasticidade, de serem laváveis. Estes são elementos diferenciadores", acrescenta Ana Vaz.

"Estamos convencidos de que a China é um mercado de futuro. Na Europa toda a gente sente a crise, mas também se nota que, quem anda, inova, faz bem, quem tem um rápido poder de resposta, sobrevive", afirma Alfredo Araújo.

A Lemar, que existe há 75 anos e onde trabalham 50 pessoas, também teve de se adaptar: "A Lemar fazia o mercado interno, tinha exportações para África, tinha clientes estrangeiros, mas não os fazia directamente. Há sensivelmente 20 anos, com a entrada da minha mulher para a fábrica, começou-se a procurar novos mercados. Hoje exportamos sensivelmente 80%."

Também a Arco Têxteis se foi adaptando e reagindo às adversidades do sector. Carlos Bacelar não esconde que se tem "notado bastante a crise, principalmente nos mercados do euro". Foram, por isso, obrigados a fazer várias mudanças na empresa: de 1200 funcionários passaram para 400, e investiram em maquinaria. "Temos uma das tinturarias de fio mais modernas do mundo, temos teares de alta velocidade, de última geração", acrescenta.

Igualar Itália na feira

Cristina Mota, representante portuguesa da Messe Frankfurt - a empresa que organiza o certame de Xangai e mais 39 feiras internacionais -, salienta que as empresas portuguesas que sobreviveram à crise do sector têxtil "têm todas as capacidades e o


know how

" para serem "sólidas". Por isso, alimenta a esperança de que a representação portuguesa na feira cresça nos próximos anos.

O cônsul-geral de Portugal em Xangai tem a mesma expectativa. Se no ano passado sentiu um certo embaraço por só haver uma empresa na Intertextile - Somelos -, este ano, Joaquim Moreira de Lemos mostra-se mais optimista com a presença das seis empresas, oriundas sobretudo do Norte de Portugal.

Só espera é que, daqui a uns anos, os portugueses sejam tantos como os italianos: "Não venham dois, venham 20, 120 como os italianos", diz. Apela à imaginação dos empresários portugueses, e defende que se devem unir e fazer-se representar em conjunto: "Sozinhos não têm dimensão, venham juntos."

Quanto às conhecidas dificuldades no terreno, entende que é possível enfrentá-las: "Não se pode fazer beicinho e não se pode ignorar a China. Este mercado é incontornável." E vai mesmo mais longe na confiança com que encara o futuro: "O que eu gostava era de ver pessoas a abrir novas fábricas para vender para a China, em vez de perder empregos por causa da China." Admite, porém, que "não há uma fórmula mágica para todos": se algumas empresas terão dimensão para abrir um escritório na China, outras terão de se unir e encontrar plataformas comuns de actuação.

Apesar de as exportações da indústria têxtil portuguesa para a China não se compararem ainda com as de outros mercados, têm crescido: de 15,8 milhões de euros, entre Janeiro e Agosto de 2011, passaram para 22,9 milhões no mesmo período deste ano, o que significa uma subida de 45,5%.

O director-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, Paulo Vaz, reconhece que as dificuldades de penetração no mercado chinês são "imensas": "Configuram uma clara violação ao princípio de reciprocidade que deve estar imanente no livre comércio, tutelado pela Organização Mundial de Comércio - taxas aduaneiras elevadíssimas, manipulação cambial, obstáculos administrativos diversos, destinados a desincentivar as importações pelo mercado interno, apoio discriminatório às empresas locais de modo a torná-las competitivas a qualquer custo", enumera por email.

Ainda assim, há sinais para algum ânimo: "Há uma evolução positiva nos últimos anos, o que, a par da persistência na abordagem, finalmente está produzir resultados. E o mercado é gigantesco, pelo que as perspectivas, caso não haja alterações conjunturais ou regulamentares relevantes, são necessariamente positivas."

O ambiente que se viveu na Intertextile Xangai foi, pelo menos, de algum optimismo. Havia um formigueiro de gente na feira, diferentes pavilhões, e Portugal, ou Pu Tao Ya, estava logo à entrada de um deles. As seis empresas que marcaram presença na feira foram a Teviz, a Arco Têxteis, a Lemar, a Riopele, a Somelos e a Troficolor. Até à véspera do encerramento, a Teviz, por exemplo, tinha atendido 135 clientes.

Mas o mais importante nisto das feiras é mesmo ir, até porque os frutos nem sempre se colhem de imediato: "A primeira vez que se vem a uma feira não se obtém logo resultados. Tem de se ir uma segunda e terceira vez", diz Rute Madureira, representante da Selectiva Moda, a entidade que organiza a ida destes empresários às feiras internacionais.

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